13 de março de 2008


Iomar Travaglin
itravaglin@yahoo.com.br

O êxtase de Santa Teresa: exagero sem vulgaridade na obra máxima de Bernini.


Texto: Iomar Travaglin

Em época atual de exageros de toda ordem quanto à representação e a forma de expressão sexual uma obra de arte única realizada no século 17 exprime no seu esplendor as visões de uma santa e seu êxtase. Longe de vulgarizar e rebaixar a obra a um simples ato sexual a obra de arte na sua complexidade exala o que o artista no seu talento dosa religiosidade e profanidade com maestria. A obra de Bernini realizada no período de 1645 a 1652 compõe-se de um conjunto escultório de estilo Barroco localizado em Roma na Igreja Santa Maria da Vitória, precisamente na Capela Cornaro, cuja família na pessoa de um Cardeal encomendou a obra. Nela vemos um anjo em roupas esvoaçantes com um dardo na mão incidindo sobre uma figura feminina, mais abaixo. Com a mão pendente e um só pé visível, nu, envolto em pregas do hábito de religiosa, Teresa parece desfalecida pela visão do anjo e o dardo, os olhos fechados num misto de prazer e dor. Suas roupas de religiosa se diluem como derretidas e um anjo sorridente a assiste sabedor do prazer que proporciona. Segundo os escritos de Teresa, onde a obra foi baseada, um anjo penetra seu coração com um dardo de fogo. Na obra o anjo, com parte do peito nu, deferiu o golpe e segura delicadamente uma franja da roupa da santa com idéia de repetir a ação. No entanto no instante retratado o dardo aponta para mais abaixo detalhe talvez proposital.
Todo o conjunto é iluminado por uma abertura no teto da capela onde raios esculpidos recebem a luz do sol incidindo principalmente sobre o rosto da retratada. Em volta do nicho onde estão as figuras, em relevo, representantes da família Cornaro observam toda a cena, como uma peça de um ato teatral.
A cena em si é uma obra prima do Barroco e como tal possui as características deste estilo; a figura em diagonal, a dramaticidade, e o arrebatamento.

Teresa de Ávila

Nascida em 1515, na cidade medieval que lhe deu o sobrenome, Teresa era filha de fidalgo. Bonita, rica e inteligente, leu livros num tempo que poucas mulheres sabiam ler e aos vinte anos recusou todos os pretendentes fazendo o que uma mulher que queria se expressar podia fazer na época; entrou na vida religiosa. Nos conventos pregou a simplicidade e a pobreza, e em muitos momentos, mostrou-se contra o casamento. Fundou a ordem das Carmelitas descalças e vários conventos dessa ordem. Foi presa pela Inquisição quando pregou contra a Igreja e relatou suas visões místicas. Pressentindo o perigo calou-se e começou a escrever relatos de suas visões em poemas de amor místico e transcendente. No poema na qual o escultor se baseou para criar a obra, relata que “um anjo formosíssimo, carregando um dardo de ouro, se punha a metê-lo pelo meu coração adentro, de modo que chegava as entranhas...”, aqui ela mistura dor e prazer “... o corpo fica despedaçado, incapaz de mover os braços (...) dá uns gemidos, baixinhos pela falta de forças, mas bem altos pelo sentimento...”. Seus relatos do inferno nas suas visões inspiraram o pintor El Greco em seus mais celebre quadros. Após sua morte em 1582 seus livros foram lidos por religiosos, reis e praticamente toda a Europa, os conventos carmelitas por ela fundados se espalharam pelo mundo, canonizada, tornou-se uma celebridade. Em 1970 o papa Paulo VI lhe deu o título de primeira doutora da Igreja e suas obras tinham atingido a marca de 1.200 edições. Analisando sua vida hoje, alguns biógrafos afirmaram ser Teresa esquizofrênica e suas visões produto desta doença. Ao que parece, e isto não é definitivo, seus escritos eram expressões possíveis para a época. Recebeu muitas influências de homens que como ela, procuraram expressar seus sentimentos através da entrega a Deus. Sua energia e vontade podem ser expressas pelo fato de apenas ter sentido a vocação pelo amor de Deus através de uma recusa aos prazeres da carne. Sublimando seus desejos alcançou esta expressão direcionando esta energia a criação e a representação do seu interesse maior que era a religiosidade. Nascida em tempos atuais com certeza não seria uma religiosa, mas uma pesquisadora ou cientista. Nos claustros do século XVI os religiosos tinham uma rotina que começava pelo jejum e a oração seguida do silêncio e a prece e isto pode ser um ritual de criatividade quando utilizado em direção a determinado ponto de interesse. O ato de saber escrever e conseguir viver em um ambiente totalmente voltado para a elevação, da parte dela é claro, significa que seus interesses podem ter sido sublimados e convertidos em visões transcendentes. A magia existente nos rituais da qual participou formou, juntamente, com idéias preconcebidas e referências próprias à magnitude de sua obra. Quando de sua Autopsia descobriu-se uma grande cicatriz em seu coração podendo ser uma doença cardíaca ou, fenomenologicamente falando: um dardo! Com isto se conclui que sua vida é um fenômeno de muitas interpretações.

Gianlorenzo Bernini

Escultor, arquiteto, pintor e nascido em 1598 em família de artistas e é considerado um dos maiores expoentes do Barroco na Itália. Protegido de Papas e príncipes da Igreja um dos seus mais famosos trabalhos é o grande baldaquino do altar principal da Catedral de São Pedro. Além de pintor era excelente caricaturista e escritor de comédias. Obteve muito prestigio em vida e foi comparado a Michelangelo. Contudo perdeu sua influência no papado em favor de seu rival Algardi, o que muito o afetou, indo trabalhar para mecenas ricos. No final da vida trabalhou em grandes obras arquitetônicas. Suas últimas obras religiosas refletem uma vida devota. Bernini previu que sua reputação declinaria após sua morte e ironicamente um de seus principais detratores afirmou o fato de ser O Êxtase de Santa Teresa, erótico demais para um conjunto religioso.
Para compor essa obra sabe-se que se debruçou sobre a obra da retratada e conseguiu com acerto representar todo o sentimento de seus escritos. Mas o trabalho em si foi considerado de extremo mau gosto, principalmente no século XVIII quando com a predileção do estilo neoclássico seu trabalho foi totalmente refutado. Recentemente foi recolocado no patamar de grandes mestres e é considerado um dos gigantes da obra barroca.

A obra e seu espectador

Pode-se dizer que a obra de Bernini no que se refere ao estilo é extremamente importante neste estudo, pois apesar de estar ligada a idéia do espetáculo ou teatro, sua idéia não se completa sem a presença de seus espectadores.
Feita em mármore, a escultura produz a sensação de leveza que a suposta levitação pretende e é totalmente inacessível no toque de quem a contempla. Ela flutua e não possui base para ser real, a Pietá de Miguelangelo, por exemplo, está presa a terra enquanto a de Bernini existe num espaço onde o espectador a contempla e faz parte da encenação. É fato que sentimos o mundo e captamos as coisas ao nosso redor porem as pessoas possuem grau de sensibilidade que varia de individuo para individuo e a idéia de entendimento parte da bagagem intelectual e sensorial do mesmo. Entendemos, porem, que a obra de arte começa quando existe um código que a decifra.
No processo de criação de obra o autor se baseou em um modelo preestabelecido de conceitos para mostrar de uma só vez a síntese ou ápice da vida de Teresa que viveu no chamado “Século de ouro” da cultura espanhola, época em que as idéias do Renascimento desenvolveram um novo sentido de cultura. O conjunto escultório da capela Cornaro é uma pequena síntese. O elo que une a obra e a criação neste caso é a religiosidade unida à presença de Deus, visto de uma forma totalmente dominada pela corporalidade. A época de Teresa, no país em que vivia não havia clemência para a falta de religiosidade, Deus era presente e possuía mãos de ferro na sociedade. Suas influências literárias a impulsionaram a uma atividade mental de oração totalmente interiorizada sublimando o desejo do corpo. Se ela conseguiu a “iluminação” através do corpo, Bernini, baseando-se nos seus escritos captou essa essência na obra. Talvez o autor não captasse o desejo e a emoção da obra se não houvesse a escola de arte a que pertencia: o barroco. Isto porque este é um movimento conhecido pela exuberância e o exagero, atributos que são associados à Teresa e á sua própria época.


O êxtase comparado às imagens atuais.


Detalhe do êxtase de Santa Teresa.
http://ionarts.blogspot.com/2007/03/amor-sacro.html





Bibliografia
EHMER, H. K. Miséria de la comunicación social. Elementos para uma crítica de la industria de la conciencia. Madrid: Editorial Gustavo Gilli, 1971. 426p.

CHILVERS, Ian. Dicionário Oxford de arte. São Paulo, Martins Fontes, 1996.







Um comentário:

Anônimo disse...

motions goldi appealed oralhistory charak wife realplayer roscoe workflowonce forgood finasteride
semelokertes marchimundui