2 de janeiro de 2012

O Cinema de Hollywood e a construção de mitos.

Por Iomar Travaglin


Primeiro papel dramático de Marilyn, Almas desesperadas, dirigido por Roy Ward Baker é uma produção onde se tenha tentado mostrar o talento de uma atriz que até o momento se mostrava como símbolo sexual, fato que pode ser visto no pôster do filme com uma imagem sedutora, provavelmente, por estar no auge de sua beleza e carisma. O resultado é que Monroe não somente convence como atriz dramática, como também sensibiliza com uma convincente, assustadora e ainda ambígua caracterização. Repare nos ótimos diálogos e nos extras com o pôster original de época, na estréia da atriz Anne Bancroft e em Richard Widmark. A produção mostra o cinema norte americano em época de transição, com temas ousados e proibidos pelo código de censura imposto pelos grandes estúdios.



O cinema dos anos trinta e quarenta começava a declinar em função de outras mídias como a televisão, que impunha a visão doméstica da imagem e do glamour. Nesta época os grandes estúdios se rivalizavam contratando atores e atrizes com contrato exclusivo para produções cada vez mais sofisticadas. Diante da produção quase industrial, Hollywood moldou toda uma sociedade ainda hoje fascinada com o glamour e riqueza representada pelo Star Systen que cobrança um preço alto dos seus contratados: os estúdios ditavam desde a maneira de se comportar, como se vestir; e até mesmo questões íntimas como casamentos e romances. Diante dessa situação radical, não raro muitos atores e atrizes sucumbiam a um ritmo estressante de gravações e pressões pessoais. Em época de liberação feminina, muitas atrizes fumavam, utilizando o fumo para se equiparar aos homens, detalhe que na realidade também envolvia patrocínio da indústria do tabaco nas produções. O fumo fez com que este fosse associado ao glamour e este ato era considerado moderno e elegante. Relatos de uso de drogas foram uma constante na historia do cinema, muitos protagonistas e diretores com agenda de vários filmes anuais, tomavam remédio para dormir e também para não dormir já que em muitos casos as gravações eram à noite para uso melhor do tempo. Este fato aliado as estafantes entrevistas e agenda de divulgação acabavam por fazer com que dependências de medicamentos fossem uma constante, um caso de dependência ainda hoje relatado é da atriz Judy Garland que apesar de ótima atriz e cantora esteve por vezes envolvida em crises até falecer precocemente na década de 1960.


Norma Jean Baker ou Marilyn Monroe (1923-1963), nascida em 1923, hoje estaria com mais de 80 anos, permanece viva em imagens e filmes cada vez mais reprisados. Com uma infância infeliz e desestruturada, não conheceu o pai, e sua mãe, Gladys Pearl Monroe, sofreu problemas psiquiátricos falecendo em um hospital sem reconhecer a filha. Seu nome veio de uma atriz que sua mãe tinha especial predileção: Norma Talmadge (1893-1957), atriz do cinema mudo. E neste caso é interessante a semelhança das imagens realizadas num intervalo de quase 30 anos entre Norma e Monroe (Fig.3). Em 1955, apos este seu primeiro papel dramatico, Marilyn acreditava que podia se livrar da imagem que a consagrara de mulher sensual e voluptosa voltando-se a busca de seriedade e experiência como atriz. Para isto, mudou-se para Hollywood e foi estudar na prestigiada escola de interpretação de Lee Strasberg. Abriu em seguida sua própria produtora, Marilyn Monroe Productions, produzindo os filmes Bus Stop e The Prince and the Showgirl, este último contracenando com o respeitado ator inglês Laurence Olivier. Depois de vários casamentos, depressão, crises e um rumoroso caso com o presidente norte americano John Kennedy. Faleceu por ingestão demasiada de pílulas para dormir e embora estivesse só no momento da morte, hoje se contesta a tese de suicídio. Sabe-se que as tentativas de sair da imagem de mulher sensual e pouco inteligente foi uma constante em sua vida, mass problemas com álcool e drogas a fizeram sucumbir psicologicamente. Porem, em seus filmes existe a impressão que Marilyn não era o que aparentava ser. Suas interpretações dramáticas são cultuadas e reconhecidas, seus números musicais impecáveis. Logo após este seu primeiro papel dramático, a fotografa Eve Arnold, flagrou Marilyn lendo o clássico de James Joyce, Ulisses, considerado de grande complexidade pela maneira metafórica que apresenta a história de Homero transposta no cotidiano do personagem Leopold Bloom. (Fig.2) Em sua memória sobre a realização da imagem, a fotógrafa relata que mesmo ela se espantou pelo fato da atriz estar quase no final e mostrar suas impressões sobre o assunto.


Cinco dias antes de falecer em uma entrevista para a Revista Life, a atriz comentando sua súbita demissão de Something´s got to give, supostamente por problemas gerados por álcool e drogas, disse que a "fama é tênue": "Ela sempre acaba indo embora, então adeus a ela". A atriz se foi, mas sua imagem ficou associada para sempre na historia do cinema como sinônimo de glamour.


Do Cinema para o mundo.
A entrega do Oscar, maior prêmio do cinema norte americano, atrai divisas para a indústria da moda, que entre outras formas de marketing utiliza os figurinos dos atores usados no chamado tapete vermelho para movimentar milhões. A moda sempre teve um especial lugar no cinema e os estúdios possuíam um exercito de figurinistas que mobilizavam para realização de produções diversas. Casos curiosos envolvendo os atores e o cinema por sua influencia são exemplos importantes, alguns entrando até no lado econômico: conta-se, por exemplo, que o astro Clark Gable no filme Aconteceu naquela noite (1934) ao aparecer sem camiseta regata, hábito comum entre os homens de então, provocou uma queda na venda desse produto, obrigando o estúdio a fazer uma campanha com o astro para normalizar o mercado. Este filme também teve o mérito de popularizar os pijamas masculinos para homens e mulheres, quando os atores principais, Claudete Colbert e Gable utilizaram pijamas numa determinada cena. A frase de Marilyn dizendo que dormia somente com “...duas gotas de Chanel no 5”, elevou a procura pelo perfume. Um grande meio de divulgação da moda e glamour foi a fotografia. Neste expoente, o fotografo mais importante em termos de representação foi George Hurrel. Anteriormente pintor e em época pré photoshop especializou-se em um tipo de fotografia que “divinizava” os retratados. Retocando diretamente no negativo e criando ambientes oníricos e sombreados com cuidado, fazia dos atores “deuses” e “deusas” de Hollywood, mostravam-se inacessíveis e perfeitos para os mortais consumidores de seus filmes. No retrato de uma das mais belas e inteligentes atrizes da época de ouro de Hollywood; a atriz Frances Farmer, verificamos a alusão a uma auréola como símbolo de alguém que emite luz ou está cercado de realeza (fig.4). Ironias a parte, Frances Farmer, foi uma mulher de temperamento forte e avessa a regras dos estúdios em formar estrelas, esteve na Rússia, e no contato com aquele país foi acusada na volta aos Estados Unidos de “simpatia” ao comunismo. Sua mãe, ao ver a filha avessa ao glamour e na oportunidade que isso representava provocou desavenças que resultaram em agressões e crises culminando com internações psiquiátricas e ao final, segundo informações não confirmadas, uma lobotomia. Jessica Lange, em 1982, realizou produção sobre sua tumultuada vida chamada Frances ganhando prêmios e indicações de melhor atriz, Curt Cobain, líder do Nirvana também se dizia admirador da bela atriz incluindo no álbum “In Utero” a música em sua homenagem “Frances Farmer Will have her a revange on Seattle”.


Loiras e belas, Francis e Marilyn tiveram destinos comuns no cinema e foram em seu devido tempo vitimas de um sistema que as consumiu. O mais completo estudo neste sentido foi realizado por Edgar Morin no livro Les Stars, onde expõe de forma pormenorizada o Star Systen ou sistema de estrelas regido por um grupo de empresários interessados na produção industrial cinematográfica e que posteriormente foi substituído por uma mídia que trata o ator, de forma mais aberta, igualmente como mercadoria.


De forma geral, infelizmente, o mito da loira com pouca inteligência e o preconceito com pessoas presas em um estereótipo, ainda esta presente na nossa sociedade como uma marca fixada na aparência física, fato definitivamente fora de muitas realidades do campo artístico.

Imagem retirada da revista History photography.
Outono de 2002. (Fig.2)


Norma Talmadge e Norma Jean Baker (Fig.3)
Imagens retiradas da Internet.
Frances Farmer (Fig.4). George Hurrel.
Portraits of Glamour. (Internet)


Reprodução da capa original do filme


ALMAS DESESPERADAS


Título Original: Don't Bother to Knock. 1952; Direção: Roy Ward Baker; Roteiro: Daniel Taradash, Baseado em livro de: Charlotte Armstrong; Produção: Julien Blaustein; Música: Lionel Newman; Fotografia: Lucien Ballard; Elenco: Richard Widmark (Jed Towers), Marilyn Monroe (Nell Forbes), Anne Bancroft (Lyn Lesley).


Livros e filmes sobre o assunto:
MORIN, Edgar. Les Stars. Paris: Galilee, 1984.
MORIN, Edgar. O cinema ou o homem imaginário: ensaio de antropologia. Lisboa: Relógio d'água, 1997.
HURRELL, George. George Hurrell: portraits glamour d'Hollywood. Munich: Schirmer, 1993.
LURIE, Alison. A linguagem das roupas. Rio de janeiro: Rocco, 1997.

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