17 de julho de 2007

Por: Iomar Travaglin

Sunset Boulevard e A grande vedete: dois filmes que relatam a decadência do cinema nos EUA e o declínio de uma grande vedete do teatro de revista.

Poucos filmes mostraram Hollywood como Sunset Boulevard ou no Brasil Crepúsculo dos Deuses, 1950. Dirigido por Billy Wilder este filme faz parte dos clássicos que devem ser conhecidos e vistos por aqueles que pretendem estudar ou mesmo entender o cinema americano. Conta à história de uma veterana atriz do cinema mudo que vive reclusa em mansão quando casualmente conhece um fugitivo, escritor de roteiros, com quem se envolve. A trama parte para um jogo de interesses que desvenda a cruel realidade dos esquecidos da grande indústria cinematográfica e também a transição forçada dos grandes estúdios para uma realidade diferente daquela totalmente hegemônica do auge do cinema americano. O filme começa de uma maneira totalmente inovadora para os padrões da época e parte para um tema ousado e totalmente diferente do cinema de então. Numa critica ácida e mordaz ao já então decadente cinema americano naquela época já sendo suplantado pelo advento da televisão o filme apresenta sempre a visão de uma mulher e atriz que havia sido poderosa e ainda sonhava com o retorno do glamour vivido. Curiosamente o filme é quase uma biografia de Gloria Swanson (1899-1983), atriz lendária em papel feito quase que sob medida para ela. Seu personagem é amargo e vai lentamente da caricatura para uma mulher egoísta e má que tudo fará pela fama. Logo na entrada quando do dialogo em que o personagem de William Holden pergunta se ela tinha sido famosa ela responde a frase que ficou célebre, “Eu sou grande, os filmes é que se tornaram pequenos”. Esta frase representa no filme chave que vai fazer entender o drama da reclusão, do esquecimento e dos padrões de beleza que naquela época já eram impostos. Repare na cena antológica do final do filme em close ao estilo do cinema mudo, no fabuloso guarda-roupa desenhado por Edith Head, a mais famosa figurinista e critica de moda de então e nos atores e diretores participando como eles mesmos. Ganhou prêmios de melhor direção de arte no Preto e branco, melhor trilha e roteiro.

Outro filme, a título de livre comparação, é o nacional é A grande vedete, de Watson Macedo, com a comediante Dercy Gonçalves. Neste filmes temos a história de uma grande vedete do teatro de revista envelhecida e mantida por empresário que forja entrega de flores e atenções de um grupo de fãs fictícios. Insistindo como grande vedete, a personagem de Dercy Gonçalves não se dá conta de sua limitação quanto a determinados números e mesmo a idade para sua profissão. Quando conhece um escritor novato com nova peça acredita-se apaixonada e supõe ser a obra trabalho realizado para ela. Começa assim novas situações até surgir a dura realidade. Misturando comédia e drama este filme ilustra o drama de pessoas que estão presas a um sistema ultrapassado e fora de seu contexto. Repare na engraçada cena de dança clássica onde a protagonista apresenta seu humor espontâneo e nas cenas de teatro de revista que demonstra o glamour de sua época, veja também como as capas promocionais dos filmes, são semelhantes em abordar a mesma situação.

Paralelamente, vendo estas produções, percebemos situações análogas em época que o mundo mudava em função de desenvolvimentos tecnológicos e sociais, como a televisão, moldando idéias e novos paradigmas no teatro e mesmo no próprio cinema.

Grande diva do cinema
Gloria Swanson ou Gloria Josephine May Swensson foi um dos maiores mitos do cinema Americano. Começou sua carreira em 1919 em filme do lendário diretor Cecil B. DeMille, diretor e cineasta que a acompanhou em mais seis filmes.

Recebeu sua terceira indicação ao Oscar por Sunset Boulevard em personagem que tinha muito de si, pois por várias vezes tentou voltar ao cinema, nos mesmos moldes que Norma Desmond. Sua aparição, considerada última, foi em Airport 75, filme que iria inaugurar um tipo de tragédia que se repetiria muitas vezes. Ficou famosa entre outras coisas pela grande coleção de jóias, muitas das quais usa em Sunset Boulevard e sua ligação amorosa com o pai do futuro presidente John Fitzgerald Kennedy, Joseph Joe kennedy, que produziria um de seus mais famosos filmes Queen Kelly lançado em 1928 e dirigido por Erick von Stroheim.

O teatro de revista
Segundo a enciclopédia de teatro do Itaú Cultural o teatro de Revista Brasileiro surgiu na segunda metade do século dezenove no Teatro Ginásio, no Rio de janeiro com a apresentação de As surpresas do Sr. José da Piedade, de Justiniano de Figueiredo Novaes. Francisca Edwiges Neves Gonzaga, mais conhecida como Chiquinha Gonzaga, (1847-1935) foi uma das pioneiras na composição de músicas e roteiros para Teatro de revista. No final do século dezenove escreveu um libreto reconhecido como peça de costumes, Festa de São João. Em 1885 atua como maestrina compondo a opereta A corte na roça. Já instalada no centro cultural artistico apresentou os espetáculos: A Filha de Guedes (1885), O Bilontra e a Mulher-Homem (1886); O maxixe na Cidade Nova (1886); O Zé Caipira (1887). No auge do teatro de revista atrizes e dançarinas ainda são lembradas como símbolos de beleza e glamour: O teatro de revista como o próprio nome diz propunha uma idéia de jornal que mostrasse principais assuntos sociais de forma musicada. O gênero obteve seu auge no Brasil nos anos 40 e 50 e tem como principal característica o enredo voltado à paródia. Na fase áurea das grandes estrelas o teatro de revista esteve no comando de Walter Pinto (1913-1994). Nesta fase o glamour em forma de fantasias bem elaboradas, textos engraçados e sofisticados e mulheres bonitas com o corpo quase à mostra motivou o sucesso, transformando-se em entretenimento para todas as classes sociais. Infelizmente na década de sessenta o gênero tem o seu ocaso devido a produções que apresentavam nus explícitos e textos chulos, perdendo o que tinha de mais forte: o senso cômico e o duplo sentido.

Entre muitas vedetes destacam-se Virginia Lane, Renata Fronzi, Íris Bruzi e Dercy Gonçalves atriz principal do filme acima.

Cinema e teatro: origens e preconceitos.
Em seus primórdios o cinema foi influenciado pelo teatro e este praticamente ditou e ajudou a estimular os processos de linguagem cinematográficos. No que se referem aos atores muitos foram aqueles que passaram da representação teatral para o cinema em praticamente todos os filmes do cinema mudo. A última cena, já citada, do filme Crepúsculo dos Deuses se refere a um close de uma atriz desse período já que a maquiagem e a representação eram carregadas devido à ausência de elementos como som, cor e mesmo interpretação porque as câmeras estáticas impediam determinados tipos de recortes da imagem e os artistas deviam se expressar exageradamente.

Afora problemas técnicos um dos maiores problemas que artistas enfrentavam eram a discriminação. A revista Língua Portuguesa em edição especial número 2 publicada em 09/03/2007 publica interessante matéria sobre origens de palavras direcionadas ao teatro e a artes cênicas. Na sua obra Além do bem e do mal, o filósofo alemão Nietzsche (1844-1900) comenta Epicuro que em sua época para ridicularizar os discípulos de Platão os chamava de dionysiokolakes, nome dado aos atores de seu tempo, que o filósofo traduziu para “clientes de tiranos e puxa-sacos servis”. A expressão significava que segundo Epícuro os platônicos seriam “todos atores, (pois) nada deles é autentico”. Assim como essa expressão ficou marcada como algo negativo a palavra hypo-crités, nome dado a determinado tipo de ator. Em grego, essa palavra significava alguém com capacidade ou destreza para imitar um personagem nos palcos, hoje sabemos que hipocrisia de um modo geral, vindo principalmente da Idade Média, significa “fingimento ou afetação de qualidades e virtudes que se não possuem”, ou seja, de qualidade passou a ser “falsidade”. Fora da conotação negativa a palavra Teatro, etmologicamente vem de Theátron, lugar destinado ao espetáculo ou aquilo que é feito para ser visto théa, vista, olhar ou ainda theama tema teatral.

No Brasil o teatro foi utilizado como instrumento de catequese por Jose de Anchieta e muito difundido até que em determinado momento, século XIX, ser vitima de censura. A primeira datada de 29 de novembro de 1824, expedido edital pelo intendente geral da Policia da corte, Francisco Alberto Teixeira de Aragão, estabelecendo as medidas de segurança e policia que deveriam ser observadas nos teatros do Rio de janeiro. Depois, quando por um Aviso imperial, número 88, de 15 de maio de 1829 proibindo os acadêmicos de Direito, de fazer representações durante o ano letivo considerar “inadequado ao ambiente de estudo”; o aviso número 123, de 21 de julho de 1829, ordenava que o mesmo intendente procedesse ao exame das peças que seriam levadas à cena no Teatro Pedro de Alcântara e por fim o artigo 137 do Regulamento número 120, de 31 de janeiro de 1842, deu execução a lei numero 261, de 3 de dezembro de 1841, prescrevia que nenhuma representação teatral poderia ter lugar sem que houvesse obtido a aprovação e o visto do chefe da policia ou delegado, “que não o concederão quando ofenda a moral, a religião e a decência pública”. Posteriormente em 1843 iria ser criado o Conservatório Dramático brasileiro para cumprir o exercício da censura teatral, extinto em 1864. As elites estabeleceram códigos que delimitavam a moral e os bons costumes e mesmo com a influencia européia das operetas e outras manifestações artísticas cênicas houve no Brasil um grande avanço em apresentações. No final do século XIX foram construídos o Theatro Amazonas (1896), O Theatro Municipal do Rio de janeiro (1909) e o Theatro Municipal de São Paulo (1911), todos com inspiração francesa, onde eram apresentadas obras eruditas, óperas, orquestras, apresentações de grupos e artistas estrangeiros. Como era de se esperar tanto no Rio de janeiro, São Paulo e Manaus, grandes companhias de teatro se apresentaram, incluso a maior diva francesa da época Sarah Bernardt. O êxito era também a criação para o publico mais pobre e assim se criaram as operetas da qual se falou anteriormente da qual Chiquinha Gonzaga fez parte com outros grandes pioneiros da representação teatral. A vista de espetáculos de protesto fora da vista da censura criou um “subproduto” em que a sátira a sociedade fazia parte do roteiro. Logicamente as mulheres e os homens que se apresentavam em tais produções não eram bem vistos pela sociedade dita “distinta” e ai se criou os preconceitos aos protagonistas e músicos participantes. Ainda hoje temos depoimentos da própria Dercy Gonçalves sobre o preconceito que sofreu por ser artista.

No teatro de revista a apresentação de temas ousados de meados do século vinte ainda generalizaria a conotação preconceituosa contra a profissão de ator e/ou principalmente atriz, fato que ainda se estenderia ao cinema e televisão.
Gloria Swanson. Anos 20.
Imagem: http://silentladies.com/PSwanson1.html

Dercy Gonçalves Anos 30
Imagem: http://www.antaprofana.com.br/Revisteiros_1.2.htmDercy Gonçalves Anos 30
Imagem: http://www.antaprofana.com.br/Revisteiros_1.2.htm

A grande vedete, 1958.

Elenco:William Holden (Joe Gillis)Gloria Swanson (Norma Desmond)Erich von Stroheim (Max von Mayerling) Cecil B. DeMille (Ele mesmo) Hedda Hopper (Ela mesma)  Buster Keaton (Ele mesmo Jogando Bridge)
Ray Evans (Ele mesmo)
Jay Livingston (Ele mesmo)
Direção: Billy Wilder
Roteiro: Charles Brackett & Billy Wilder & D.M. Marshman Jr.
Música: Franz Waxman
Fotografia: John F. Seitz
Direção de Arte: Hans Dreier, John Meehan
Figurino: Edith Head

A grande vedete. 1958Elenco:
Dercy Gonçalves (Janete)John herbert (Paulo)Humberto Catalano (Ambrósio)Marina Marcel (Vilma)Zezé Macedo (Fifina)Ferreira Leite (ensaiador)
Direção: Watson MacedoRoteiro: Watson Macedo e José Cajado FilhoMúsica: Lírio PanicalliFotografia: Mário Pagés.Figurino: Osvaldo Mota

Sobre o assunto:
NIETZCHE. Além do bem e do mal. São Paulo: Cia. das letras, 1992. Tradução Paulo César de Souza. Pág. 13
GALVÃO, Ramiz. Vocabulário das palavras portuguesas derivadas da língua grega. São Paulo, Garnier, 1994. Reedição de 1904.
CARVALHO, Enio. História e formação do ator. São Paulo, Ática, 1989.
Sobre a revista Língua Portuguesa e saber mais sobre as origens da palavra em teatro:
http://revistalingua.uol.com.br/

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