Por Iomar Travaglin
A festa do Oscar, questionável em alguns aspectos, é hoje um símbolo da excelência na interpretação e processos técnicos que permeiam a indústria cinematográfica americana. Embora os temas hoje sejam vistos de forma mais livre, houve tempo em que um filme como O segredo de Brokeback Mountain, de Ang Lee, não teria a repercussão que tem hoje por abordar um tema considerado proibido por códigos do sistema dos estúdios. Esse é o assunto abordado neste interessante documentário chamado no Brasil de "O outro lado de Hollywood" com o intuito de mostrar como o sistema da época ainda recente tenta coibir e até mesmo proibir o que chamavam de “excessos”.
O documentário, dirigido e escrito por Rob Epstein e Jeffrey Friedman, baseado no livro de Vito Russo apresenta imagens históricas do início de um cinema que ainda não se preocupava com a censura e analisa a evolução do processo de proibição que o cinema engajado tentava contornar com criatividade. É o caso do filme "Bem Hur", dirigido por William Wyler e produzido em 1959. Segundo o roteirista, Gore Vidal, o assunto pendia para uma trama não muito aceita pela sociedade de então e a idéia foi fazer um acerto com um dos atores.
A festa do Oscar, questionável em alguns aspectos, é hoje um símbolo da excelência na interpretação e processos técnicos que permeiam a indústria cinematográfica americana. Embora os temas hoje sejam vistos de forma mais livre, houve tempo em que um filme como O segredo de Brokeback Mountain, de Ang Lee, não teria a repercussão que tem hoje por abordar um tema considerado proibido por códigos do sistema dos estúdios. Esse é o assunto abordado neste interessante documentário chamado no Brasil de "O outro lado de Hollywood" com o intuito de mostrar como o sistema da época ainda recente tenta coibir e até mesmo proibir o que chamavam de “excessos”.
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O outro lado de Hollywood Título original: The Celluloid in closet Ano: 1996 |
O documentário faz alusão ao tratamento dado aos personagens travestidos e ao homossexualismo, mas no geral vai além disso, aborda assuntos que tem a premissa do proibido. Importante registro para entender os mecanismos que compõem as escolhas e o tratamento dado a roteiros e personagens que incomodavam de forma não muito clara os estúdios americanos. Possui cenas interessantes com Charles Chaplin, O Gordo e magro e muitos astros e estrelas de Hollywood.
Atenção para o depoimento de Susan Sarandon e Tom Hanks mostrando como venceram os preconceitos dos estúdios nos filmes em que foram protagonistas, respectivamente de Fome de viver e Filadélfia.
A censura e as artes
Segundo o dicionário Houaiss “a censura atua sempre com base em critérios de caráter moral ou político, para decidir sobre a conveniência de serem liberados para apresentação ou exibição ao público em geral de toda atividade artística ou informativa”. A Censura tem sua maior força de atuação em regimes autoritários e religiosos. Vide a Inquisição, que atrasou em muitos anos o progresso da humanidade por vitimar estudiosos e pensadores.
A arte como manifestação social do homem está sujeita a julgamentos e nem sempre consegue sobreviver em determinadas situações. A moralidade que conhecemos vem de códigos de conduta geralmente associados à religião com normas no sentido de disciplinar e assim chegar à suposta perfeição. Claro que nestas questões estão associados valores políticos de dominação e persuasão que não nos compete julgar neste momento, mas, é importante uma reflexão sobre o assunto no que diz respeito ao mundo da arte.
O estudo desta matéria começa na Idade média que é o período que mais foi influenciado pela religião no sentido da representação e repressão ao corpo como objeto de admiração e prazer. Nas obras do período quase não se pintou a nudez e as imagens mostram corpos humanos com uma temática de sacrifício e miséria próprias do ser mortal.
Foi durante a última sessão do Concílio de Trento, em dezembro de 1563, que se debateu a arte sacra sem nada de “profano ou desonesto”. Muitos artistas sofreram perseguições e Calvino associou as imagens religiosas muito elaboradas à desonestidade, “as dissolutas de um bordel se enfeitam mais casta e modestamente do que as imagens das virgens no templo”, dizia.
Segundo manuais dos confessores da época, “ver é desejar, é pelos olhos que o pecado entra no coração”, e isto fazia com que a igreja combatesse a erotização dos corpos pelo controle das roupas, das danças e conseqüentemente da representação humana no campo da devoção, tentando com isto modelar um exemplo de religiosidade honesta, pudica e devota.
O que sabemos da pintura mural da Capela Sistina no Vaticano, hoje, é que se trata de uma obra prima, mas, em meados de 1549 seu autor Michelangelo Buonarotte, 1475-1564, foi considerado o inventor da “imundície”. O motivo, hoje banal, é a profusão dos corpos nus. O interessante é que se questionou os nus e não os atos que representavam. Em algumas imagens, o “o castigo da sodomia” na parte do inferno, as atitudes inusitadas para uma profusão de santos no paraíso e as “estranhas” frutas, nos painéis laterais, não foram lembradas (Fig. 1). O Afresco foi encomendado pelo papa Júlio II em 1508, Júlio morreu alguns meses após a conclusão do afresco e seu sucessor ameaçou destruir a capela, o que teria feito se a morte não o impedisse. Sucessores mais moderados porém, conseguiram o intento de pintar vestimentas nos nus considerados mais “ousados”.
Dentre muitas críticas que recebeu a mais célebre foi do mestre de cerimônias do Papa, Biagio da Cesana, que publicamente afirmou ser o afresco imoral, mais apropriado para “termas ou lugares mal afamados”. Esta afirmação, porém, custou caro ao pobre Biagio; em sua vingança Michelangelo pintou-o na parte do inferno, com traços de Minos, assistindo ao espetáculo, com uma grande serpente enrolada nas pernas, no meio de uma multidão de diabos (Fig.2).
Alguns quadros “perseguidos”
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Juízo Final, detalhe do afresco central. (Fig. 1) |
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Capela Sistina - Biagio de la Cesana no inferno (Detalhe. (Fig.2) |
Muitas obras estiveram censuradas aos longos dos séculos por diversos motivos, mas, como curiosidade, existem alguns exemplos interessantes. Na segunda metade do século XVI, a arte se ocupou do tema das Damas no banho, dos quase 40 quadros hoje existentes o mais famoso é Gabrielle d’Estress e sua irmã, 1595. Nele temos todos os artefatos do tema, que hoje não sabemos se era destinado aos maliciosos; as jóias, principalmente anéis, o cortinado, a empregada ao fundo, etc. mas, segundo historiadores mesmo na época eles teriam chocado. A certeza é que o século XVII destruiu muito deles por puritanismo. No século dezoito um quadro do aclamado pintor inglês Thomas Gainsborough 1727-1788, foi condenado simplesmente por apresentar a retratada com as pernas cruzadas, ato considerado vulgar e indecente. “Eu me sentiria muito mal vendo alguém que amo retratado de tal maneira”, teria observado uma dama inglesa ao observar o retrato. (Fig.3). Outro quadro mais recente, "Madame X", (Fig. 4), de John Singer Sargent, 1856-1925, pintado em 1894, foi alvo de comentários maldosos devido à ousadia do vestido e a cor nacarada da pele que realça a sensualidade do modelo. Este quadro que retrata a socialite Madame Gautreau, que no quadro era Madame X. Apesar do pseudônimo, foi reconhecida, e conta-se que sua mãe escreveu várias cartas implorando ao pintor que retirasse o quadro de exposição para que sua filha não fosse mais objeto de ridículo. Apesar do escândalo, o quadro fez fama ao pintor que recebeu muitas encomendas, incluindo o célebre Lorde Ribblesdale, 1902, cuja magnificência gerou muitas discussões sobre a supremacia da aristocracia inglesa. A historiadora Bárbara Tuchman escreveu algumas páginas ao quadro onde diz: “aquele homem (o quadro) tem a auto-suficiência de quem se sabe herdeiro de anos de civilização, mas não se trata de um melindroso que desconhece a barbárie, e sim de um credor da vitória sobre ela” e completa “não é um orgulho ofensivo, é uma satisfação que nos parece exclusiva pelo simples fato de que não pertencemos àquela estirpe”. A figura tem tal imponência que quando foi exibido no salão de Paris, Ribblesdale foi vê-lo, e a multidão começou a segui-lo pelos corredores e a apontar para “o grande diabo daquele Lord inglês”.
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John Singer Sargent - Madame X. 1894. Óleo sobre tela. (Fig. 4) |
A censura no Brasil
A censura pode estar ligada ao preconceito, mas, não é o tipo de análise que fazemos neste artigo embora os gêneros populares eram tratados, e ainda hoje são, numa relação “casa grande e senzala”. Na Velha Republica a chamada DCDP (Divisão de Censura e Diversões Públicas), possuía um instrumento policial para liberar ou não músicas passíveis de execução ao vivo, o que era praxe à época, pois, as apresentações dadas à ausência de gravações ainda eram ao vivo, e estas eram geralmente associadas a alguns gêneros musicais considerados escandalosos como o Maxixe e o Lundu.
Por volta de 1935 os sambistas se depararam com a primeira intervenção; a prefeitura carioca concorda em oficializar as nascentes escolas de samba, em troca, as escolas seriam obrigadas a ressaltar músicas que contassem sobre o Brasil e a nação. Assimilado com familiaridade pelos sambistas, esta prática, acabou criando os chamados sambas enredo que transformam o carnaval em grande desfile. As marchinhas ficaram então para blocos e salões de baile. No governo de 1937 a 1945, também comandado por Getúlio Vargas, foi criado o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) que fazia o marketing do ditador, proibindo publicações de jornais, revistas, livros, radiodifusão e até samba enredo que não se adequasse ao regime.
O período da história do Brasil chamado de segunda República que vai de 1945 até o golpe de 1964, transcorre em clima de relativa tranqüilidade, quebrada apenas pela proibição de algumas composições de Juca Chaves (Presidente Bossa Nova, de 1961), referência explicita a Juscelino Kubischek; O Brasil vai a guerra, 1962, que ironizava a compra do porta-aviões Minas Gerais e uma canção de Carlos Lyra e Chico de Assis (Canção do subdesenvolvido, de 1962). No período da ditadura ficou claro que os militares estavam dispostos a não deixar passar nenhuma informação contrária ao regime e com isto criou-se à expressão através da metáfora. Autores como Chico Buarque e Paulo César Pinheiro, entre outros, especializaram-se na metáfora, o que significa querer dizer uma coisa e falar outra, algumas letras atestam a isto, como Cálice, Calabar e etc. Outros autores e artistas, ao contrário, foram totalmente suprimidos; é o caso do mineiro Sirlan, o sucesso Viva Zapátria de sua autoria, 1972, foi censurado, impedido de cantar e se apresentar em público, retirou-se da vida artística; o talentoso Sidney Miller, suicidou-se aos 35 anos em 1980; Taiguara assim como o artista anterior, participou de festivais fazendo muito sucesso até que sob pressão da ditadura foi morar em Londres, voltando ao Brasil, permaneceu no ostracismo morrendo esquecido em 1996, por último, o lendário paraibano Geraldo Vandré que abandonou a carreira e hoje, com mais de 60 anos, é um atuante advogado. Estes foram alguns exemplos de músicos e compositores que tiveram suas vidas artísticas arruinadas pela ditadura.
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Filmes sobre o assunto:
Agonia e êxtase. Direção Carol Reed. São Paulo: Fox, 1995. Fita de vídeo, 140 min.
O processo de pintura dos afrescos da capela Sistina por Michelangelo e seu tempestuoso relacionamento com o Papa Júlio II.
Arquitetura da destruição. Direção Peter Cohen. São Paulo: Cult filmes, 1992. 121 min. Neste documentário as artimanhas do Nazismo para desacreditar a arte moderna na Alemanha.
Crash, estranhos prazeres. Direção David Cronenberg. São Paulo: Columbia Tristar, 1996. Filme proibido em diversos paises por mostrar pessoas que tem prazer em acidentes de automóveis.
O processo de pintura dos afrescos da capela Sistina por Michelangelo e seu tempestuoso relacionamento com o Papa Júlio II.
Arquitetura da destruição. Direção Peter Cohen. São Paulo: Cult filmes, 1992. 121 min. Neste documentário as artimanhas do Nazismo para desacreditar a arte moderna na Alemanha.
Crash, estranhos prazeres. Direção David Cronenberg. São Paulo: Columbia Tristar, 1996. Filme proibido em diversos paises por mostrar pessoas que tem prazer em acidentes de automóveis.
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Livros sobre o assunto:
NERET, Gilles. Miguel Ângelo 1475-1564. Koln: B. Taschen, 2000. 96 p., il. Por. A história completa do artista e notas explicativas sobre cenas “proibidas” do afresco.
GARCIA, Nelson Jahr. Sadismo, sedução e silencio. São Paulo: Loyola ,1990. 167 p. Por. Mostra o controle ideológico da propaganda no Brasil durante a ditadura militar.
NERET, Gilles. Miguel Ângelo 1475-1564. Koln: B. Taschen, 2000. 96 p., il. Por. A história completa do artista e notas explicativas sobre cenas “proibidas” do afresco.
GARCIA, Nelson Jahr. Sadismo, sedução e silencio. São Paulo: Loyola ,1990. 167 p. Por. Mostra o controle ideológico da propaganda no Brasil durante a ditadura militar.
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. (Org.). Minorias silenciadas : história da censura no Brasil. São Paulo : Edusp, 2002. 614 p. il. Prefacio de Renato Janine Ribeiro. Por. Ensaios e depoimentos de diversas personalidades reunidos sobre a censura à atividade intelectual no Brasil do período colonial aos nossos dias.
SIMÕES, Inimá. Roteiro da intolerância: a censura cinematográfica no Brasil. São Paulo: Ed.
SENAC São Paulo, 1999. Mostra de forma geral o que foi a censura no Brasil no período da Ditadura, definindo-a como um órgão executor de orientações da alta hierarquia militar. Ao relatar casos, alguns folclóricos, o autor aponta como funcionava a censura, identificando a influencia da policia Federal.
SENAC São Paulo, 1999. Mostra de forma geral o que foi a censura no Brasil no período da Ditadura, definindo-a como um órgão executor de orientações da alta hierarquia militar. Ao relatar casos, alguns folclóricos, o autor aponta como funcionava a censura, identificando a influencia da policia Federal.
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