Por: Rodrigo Ruiz
“Estados Unidos, 1960. Entre brancos e negros a palavra de ordem era segregação, notadamente no Sul, cuja herança dramática das plantations ainda ditava normas. Não mais para Hollywood. Ao menos, não mais para John Ford. “
Nesse ano, o grande contador de histórias, o sujeito que amava as grandes paisagens avermelhadas e trágicas do Monument Valley, iria dirigir mais um western sobre a cavalaria, Sergeant Ruthledge, no Brasil, Audazes e Malditos.
Até aí, tudo bem. Mas, o filme foge dos padrões do cinema western justamente por trafegar na contramão do gênero.
Talvez influenciado pelos dramas de tribunais que já eram moda em Hollywood, Ford resolveu apropriar-se desse modismo para lançar um olhar amargo e crítico sobre uma das páginas da segregação racial americana: os destacamentos de soldados búfalos, ou seja, negros que eram recrutados para o serviço militar nas fronteiras do Oeste, para combater e perseguir os índios que vez ou outra “perturbavam” a paz dos colonizadores brancos.
Usando e abusando do flashback, Ford conta a história do sargento Braxton Ruthledge que é levado à corte marcial acusado do estupro e assassinato de uma jovem branca. No papel de Ruthledge , temos Woody Strode e como seu advogado de defesa, Jeffrey Hunter.
Curiosamente, Hunter havia já encarnado um mestiço vítima do preconceito racial de um amargurado ex-militar interpretado por John Wayne na obra-prima Rastros de Ódio.
O tema estupro já era um tanto forte para os padrões da época, mas o astuto Ford jogou mais lenha na fogueira ao insinuar a sensualidade da jovem vítima (uma Lolita das pradarias) e o desejo que ela despertava no assassino, cuja identidade só é revelada no último instante, o que garante a atenção e a surpresa de quem assiste.
A década de 60 foi um período de revisionismo para John Ford e este western foi o primeiro da filmografia a trazer uma nova visão sobre a sociedade americana, particularmente aqui, sobre a relação do exército com o negro.
Audazes e Malditos não é um grande western, mas é uma obra curiosa no gênero (a começar pelo formato nada convencional que lhe atribuiu o diretor). Além disso, é um notável libelo fordiano contra o racismo e a hipocrisia e merece ser visto e revisto, descoberto e redescoberto.
Descendente de imigrantes irlandeses, Sean Aloysius O’Feeney ou como os projetores de cinema o revelariam às platéias do mundo todo: John Ford, nasceu no estado do Maine no dia 1º de Fevereiro de 1894 e faleceu em 31 de Agosto de 1973.
Se sua produção cinematográfica tivesse se extendido somente até os anos 40 (sua atuação como diretor começou em 1917), isso seria o suficiente para que John Ford visse seu nome imortalizado na galeria dos maiores diretores da História do Cinema. Foi nesse período que seu gênio criativo e meticuloso plasmou verdadeiras obras-primas como O DELATOR (The Infomer – 1935), AS VINHAS DA IRA (The Grapes of Wrath – 1940), COMO ERA VERDE MEU VALE (How Green Was My Valley – 1941) e DOMÍNIO DE BÁRBAROS (The Fugitive-1947), para citar apenas alguns da fase sonora. Entretanto a longa relação dos filmes que dirigiu inclui ainda o que de melhor se fez no gênero western (do qual ele se tornou o principal, se não o maior artesão). Nesse gênero, Ford legou à posteridade muito mais do que entretenimento, ele revelou ao mundo de modo grandiloquente a epopéia da construção da civilização norte-americana e nisso ele foi imbatível, pois sua maior capacidade como diretor era ser um excelente contador de histórias . Prova concreta são os filmes NO TEMPO DAS DILIGÊNCIAS (Stagecoach – 1939), a notável trilogia sobre a Cavalaria em FORTE APACHE (Fort Apache -1948), A LEGIÃO INVENCÍVEL (She Wore a Yellow Ribbon – 1949) e RIO GRANDE (Rio Grande – 1950), além dos consagrados RASTROS DE ÓDIO (The Searchers – 1956) e O HOMEM QUE MATOU O FACÍNORA (The Man Who Shot Liberty Valance – 1962), todos esses estrelados por seu principal colaborador e amigo, John Wayne.
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Rodrigo Ruiz nasceu em São Paulo em 1974 e, desde 2001, mora em Itapira. Em 1994 começou a sua atuação na área da Biblioteconomia. Suas paixões são o Cinema Clássico, a História, os Quadrinhos em seu Período de Ouro e tudo o que se produziu na Música
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