24 de abril de 2011

A decadência e o poder sob a ótica do cineasta italiano Luchino Visconti

Por Iomar Travaglin

O rei Ludwig II de Wittelsbach (1845-1886) teve sua história contada pelo cineasta Luchino Visconti como um épico de grandes proporções lançado em DVD duplo com quatro horas originais. O filme de 1972 foi cortado em duas horas para exibição comercial à época do lançamento e hoje, restaurado, apresenta uma infinidade de extras.

Moonrise, 1835. Caspar Friedrich
“Ludwig” integra a trilogia alemã realizada pelo diretor retratando a decadência da sociedade e seus costumes. No primeiro filme da trilogia “Os Deuses Malditos” (1969) apresenta impiedosamente a decadência de uma família da alta sociedade alemã após a ascensão nazista, a família Krupp. Já na adaptação para o cinema de“Morte em Veneza” (1971), Visconti apresenta a decadência pessoal de um compositor de meia idade em crise após a morte da filha. Em “Ludwig” a decadência é expressa na pessoa do rei Ludwig II de Wittelsbach, rei da Baviera; um visionário romântico que construiu castelos suntuosos que o levaram à falência. Grande amante da música, Ludwig, ficou conhecido também pela amizade e mecenato ao compositor Richard Wagner.


Apresentando referencias pictórica, o filme procura reproduzir nas cores e na ideologia as obras do artista alemão Caspar Friedrich (1774-1840), pintor romântico que divulga através de sua obra o estado de espírito de sua época.


De forma magistral Visconti reproduz os ideais românticos do personagem e no porvir duvidoso que culminará na primeira grande guerra mundial. Este DVD duplo também possui muitas informações sobre Ludwig II e Visconti assim como pormenores de produção. Vale à pena verificar a importância e o trabalho de pesquisa histórica do filme e seu restauro. Destaque para Romy Schneider como a Imperatriz Elizabeth em papel que a havia consagrado no início de sua carreira e que, segundo o documentário, voltou a interpretá-lo somente por amizade ao diretor. Destaque também para a relação ambígua do rei para com seu protegido o músico Richard Wagner.


Pôster do filme
 O romantismo
“Feche seu olho carnal para ver a imagem primeiro com o olho do espírito; então traga à luz do dia aquilo que viu na escuridão, para que a imagem gerada possa agir sobre as demais de fora para dentro”. Este texto, retirado dos escritos de Caspar Friedrich, representa os ideais do Romantismo, escola da qual pertencia e que engenhosamente Visconti adaptou na realização de Ludwig. Utilizando as cores dos quadros de Caspar, vistas na concepção fotográfica da produção, assim como os ideais românticos do personagem, o filme celebra a reflexão, a esperança, o misticismo e a melancolia. Lord Byron 1788-1824 (Fig. 2) foi com certeza o maior ícone do Romantismo, nascido em família aristocrática inglesa, George Gordon Byron, encarnou o Romantismo expressando rebeldia, paixão e melancolia. Aventureiro, viveu grande parte da vida no exílio, principalmente Itália, e morreu participando da luta pela independência da Grécia. Escreveu várias obras, entre elas, A peregrinação do Childe Harold, 1812; O Giaour, 1813 e O corsário, 1814. Atribui-se em suas aventuras a influência de duas obras de peso; a primeira, Frankenstein, de Mary Wollstonecraft Shelley (1797-1851) a outra Drácula, de Bram Stocker. A primeira teria sido inspirada, quando Byron, Mary e seu futuro marido, o Poeta Percy Sheley, a meia irmã de Mary e o médico John Polidori (Fig.2) versavam sobre o homem e a criação. Conta-se que fizeram um desafio para ver quem escreveria a história mais assustadora. Mary, em dado momento após uma noite de pesadelos viu no belo rosto de Byron o “monstro interior”, criando assim a clássica história do cientista que tenta criar o homem perfeito e a relação da impossibilidade da ciência sobre a criação. Segundo o professor Jorge Coli; “Frankestein liga arte e ciência, à imagem cristalina e o cadáver repugnante, a violência e sofrimento”.

(Fig. 2) Byron e John Polidori.
A outra foi relatada pelo próprio Byron, que não querendo ser sobrepujado por Mary Shelly em sua história de terror, começou a escrever em Genebra um conto sobre vampiros que nunca terminou. Polidori tomou a idéia para si escrevendo O Vampiro, 1919 que foi publicada no New Montlhy Magazine, cujo editor creditou a Byron a autoria. Versava sobre um jovem Lord libertino, inspirado em Byron, que morre na Grécia e se transforma em vampiro. Apesar dos elogios, o público não entendeu direito o assunto e Polidori, infeliz na literatura e na medicina suicidou-se. Bram Stoker, ou Abraham "Bram" Stoker (1847-1912), pesquisador do assunto, associou essa história ao príncipe Wlad Tepes da Valáquia e assim nasceu o vampiro mais famoso do cinema e da literatura.


A formação do III Reich
A palavra Alemã Reich, ou reino, de triste memória devido à apropriação do nazismo, designa as formas imperiais da nação alemã. O I Reich designa o Sacro Império Romano Germânico 962, o II Reich reuniu os estados alemães em 1871-1918 sob a direção da Prússia e o III Reich foi aquele onde Hitler tencionava formar o reino dos mil anos na segunda Guerra mundial.


Ludwig II viveu como rei exatamente na época de formação de uma Alemanha unificada, seu reino foi anexado aos estados alemães quando de sua abdicação e morte. E é isto que trata o filme, a decadência de um mundo fragmentado que acabaria na primeira grande guerra de 1918. Percebam que a analogia do filme ao pintor Caspar Friedrich é exata quando vista à contemplação e melancolia do que estava por vir, ou seja, um futuro incerto (fig. 3).

(Fig. 3) The Wanderer above the Sea of Fog, 1818.
Caspar Friedrich
Os reinos alemães da época estavam fadados ao desaparecimento e dentro desse contexto estava a Imperatriz Elisabeth da Áustria (Fig.4). Em uma cena onde encontra Ludwig, seu primo, encarna uma mulher desesperançada pelo peso do poder preconizando uma fala sobre sua própria morte. Historicamente, Elisabeth ou Sissi, como ficou conhecida, teve, na morte de seu filho em circunstâncias não esclarecidas, um duro golpe, afastando-a dos compromissos sociais até que em 1898 em Genebra, Foi assassinada por um anarquista italiano chamado Luccheni.


(Fig.4) Franz Xaver Winterhalter (1806-1873).
Elizabeth, Empress of Austria, 1865.
Personagem interpretada por Romy Schneider


Filha de atores e nascida em Viena, a bela e talentosa atriz Romy Schneider ficou mundialmente conhecida com o papel de Sissy aos 17 anos. Posteriormente recusou papeis mais “açucarados” para interpretar heroínas de temperamento forte como em Boccacio 70, construindo sólida carreira de atriz na França e Itália com grandes cineastas de seu tempo. Assim coma a Imperatriz Elisabeth, a atriz Romy, ao perder um filho num trágico acidente afastou-se do meio artístico vindo a falecer depois de doença depressiva em 29 de maio de 1982 aos 43 anos.

A atriz Romy Schneider no auge da beleza.
Livros e textos:
MACNALLY, Raynond T. Em busca de Drácula e outros vampiros. São Paulo; Mercuryo, 1995.
CHILVERS, Ian. Dicionário Oxford de arte. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
SCHIFANO, Laurence. Luchino Visconti: o fogo da paixão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.
COLI, Jorge. O fascínio de Frankenstein. Folha de São Paulo, São Paulo, 2 julho 2002. Caderno Mais.


Endereço eletrônico:
Caspar Friedrich pintura: http://www.art.com/asp/display_artist-asp/_/CRID--4489/PG--5/posters.htm?TNID=2&ui=04E97FDE26BF447291A3E3B65F382691


Ficha Técnica:
Título: Ludwig, de Visconti - DVD duplo de luxo.
Título Original: Ludwig.
Direção: Luchino Visconti.
Elenco: Helmut Berger, Trevor Howard, Romy Schneider, Silvana Mangano, Helmut Griem, Mark Burns, Gert Fröbe, Umberto Orsini, Nora Ricci.
Ano de Produção: 1972.
País de Produção: Itália, Alemanha.

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