Carlota Joaquina, Princesa do Brazil,
entre a ficção e a História.
entre a ficção e a História.
Por Iomar
Travaglin
“Fiz
um filme pretendendo atingir todas as platéias, de todas as idades [...] O
cinema, há dois anos, acabara no Brasil por má administração dos orçamentos e
porque havia pessoas que só se propunham a filmarcom orçamentos milionários.
Meu objetivo com Carlota Joaquina foi mostrar que dá para fazer cinema no
Brasil. Que tem público, sim, e que os filmes se pagam, sim. Escolhi um tema
histórico porque sempre fui apaixonada pela História. E o cinema é uma
linguagem forte, que pode trazer, além de entretenimento, também conhecimento.
Acredito que a História é a ficção do Homem. É o grande romance da humanidade.
Ela nos diz que tudo está em movimento e que o que importa não é um homem,
personalidade histórica, ou um grupo de pessoas. O que é importante é o Homem –
isso a História nos diz e pode ensinar mais efetivamente por meio do cinema. Os
homens morrem, o Homem não. Um povo só pode compreender o seu presente a partir
do conhecimento do que foi o seu passado. Com essa idéia na cabeça é que
realizei ‘Carlota Joaquina – Princesa do Brazil”
Carla
Camurati (Carla Camurati: 1996)
Produzido em época conturbada da
trajetória política brasileira, o filme da diretora e atriz Carla Camurati,permanece
emblemático por representar uma história verídica, baseada na vinda família Real
Portuguesa ao Brasil em 1808, e por ser, naquele momento a produção que mais
trouxe publico ao cinema, retomando como mídia aos novos tempos da produção
Nacional. Foi aclamado pela critica neste quesito, mas em nenhum momento se
coloca como obra de valor aos historiadores que se posicionaram contra em
muitos aspectos. Bem produzido e muito bem interpretado é verdade, mas a
pergunta deve ser feita nos sentido de a autora se referir como estudiosa e
pesquisadora em História. Sabendo disso apresentaremos as seguintes questões:
quem foi Carlota Joaquina e o que seria verdade nesta produção que mostra de
forma tão caricata a figura de conhecidos personagens históricos já que a
diretora diz na entrevista acima que o cinema pode mostrar conhecimento?
O Estudo de gênero ainda é recente no
Brasil e muito que se sabe de conhecidos e mais precisamente conhecidas
personagens históricas de nossa Historia vieram de relatos biográficos nem
sempre favoráveis as pessoas implicadas. Caso direto de Carlota Joaquina,
mulher de temperamento forte e que impôs muitas das regras quando se viu com
poder de rainha de Portugal e do Brasil. Carlota Joaquina de Bourbón era filha
mais velha de Carlos IV e de Maria Luiza de Parma, reis espanhóis descendentes
de Luis XIV de França pelo casamento deste com Maria Teresa de Áustria última
herdeira do rei Áustria/Habsburgo/Lorena Felipe IV. A Espanha, ao tempo de
Carlota, estava condicionada a França como cultura e sua corte era mais
francesa do que propriamente espanhola, e,neste contexto é errado constatar que
se dançava o flamenco como apresenta o filme. Uma corte alegre sim, mas com
graves problemas políticos na autoridade exercida pela Rainha Maria Luiza que
impunha ao seu fraco marido, Manoel Godoy seu amanteque como primeiro ministro levaria
a Espanha a favor das conquistas de Napoleão Bonaparte. Infanta de Portugal
pelo seu casamento com Dom João, segundo filho de Dona Maria I e posteriormente
Rei e herdeiro pela morte do irmão e loucura da mãe, Carlota desde muito cedo
impôs sua autoridade e inteligência; fatos comprovados historicamente pela
grande quantidade de registros em cartas e documentos. O Filme foi baseado em
um livro biográfico publicado em 1968 por João Felício dos Santos com o titulo
de Carlota Joaquina, a rainha devassae,adaptado
pela diretora, que, como dito, realizou “ampla” pesquisa para compô-lo. A
narrativa mesmo literária foi contemplada com a inteligente narração de um Escocês
para uma menina que no filme faz a rainha quando menina, e soa até como um
conto de fadas. As referencias históricas prováveis foram concisas quanto ao
caráter da rainha, aliás, única rainha Brasileira, as outras foram imperatrizes.O
historiador Oliveira Lima historiador afirma no livro 1808 de Laurentino Gomes
que D. João...
“não tinha grande
certeza da paternidade dos últimos filhos”E que Carlota Joaquina foi “... traidora
como cônjuge, conspiradora como princesa, desleal sempre e sem interrupção”. (Gomes, Planeta, 2007, pg 165)
Carlota conspirou politicamente contra o
marido, é verdade, mas não teria razão ao fazê-lo? Historiadores acreditam que
Dom João teria sido vitorioso numa disputa com Napoleão se permanecido em
Portugal, já que, segundo se constata pelo próprio Napoleão em suas memórias, a
Guerra Peninsular, invasão de Espanha e Portugal, foi fatal ao General francês,
pois todos os seus problemas começaram ai. Um desses problemas foi a escolha do
comandante da invasão Jean AndocheJunot. Ao adentrar em Lisboa o exército francês
encontrava-se faminto e mal administrado por Junot, e este não contava com a
resistência do povo lusitano e espanhol.Se não tivesse sido impedida por Dom
João na reivindicação de sua herança espanhola no Prata, Carlota poderia
ter fortalecida a situação da Espanha e
por tabela Portugal já que esta teria uma distante corte situada na América. O
que pode ter acontecido é que João, no fundo, sabia que a esposa, inteligente e
sagaz, poderia ludibriá-lo e, por habilidade, usurpar-lhe o poder. Também havia
suspeita de sua infidelidade como esposa, o caso com Fernando Carneiro Leão que
aparece no filme de forma caricata e ao som de Tico Tico no fubá de Zequinha de
Abreu apresenta,no filme, que a Rainha tenha enfim aceitado a miscigenação, mas,
na verdade registros históricos apresentam Fernando como branco, filho de Ana
Francisca Rosa Maciel da Costa, Baronesa de Goytacases que anos mais tarde
estaria envolvida na expulsão do teatro São Pedro de Domitila de Castro, amante
oficial de Pedro I. A mulher de Fernando, Gertrudes, foi morta de forma
misteriosa e o crime, nunca solucionado, atribuído a Carlota. Uma provável
versão do fato é que Gertrudes teria dito em alto e bom som durante um encontro
social o que pensava da rainha e isto selou seu destino encontrando pela frente
pessoas que poderiam se beneficiar de favores reais, o que era comum à época.
Uma fonte por muito tempo aceita sobre as condutas da rainha foi a do catalão e
seu ex secretario real Jose Presas que a um só tempo teria sido secretário, homem
de confiança e conspirador. Presas já havia sido julgado e culpado pela
campanha de apoio ao partido inglês no Prata e fugido ao Rio de janeiro. Iria
por indicação de Sidney Smith, trabalhar com Carlota. Já na Espanha quando do
retorno da família Real teria conseguido um cargo publico, ainda por influencia
da rainha de Portugal, caiu em desgraça por escrever panfletos contra a
monarquia. Fugido novamente, e sem recursos, resolveu escrever um livro
intituladoMemórias Secretas de Carlota
Joaquinana qual haveria informações intimas, suspeitas e principalmente
fofocas sobre a realeza. Em carta a soberana disse que o livro seria destinado a
Dom João se esta não lhe pagasse...
“... uma pequena resposta, acompanhada de uma letra de
cambio de modesta quantia, teria sido suficiente para que eu me calasse”. (Gomes,
Planeta, 2007, pg 167)
Carlota, no entanto não chegou a ver o
livro; morreu em 1830, quando este estava sendo impresso na França. Saído o
livro Carlota teve sua vida devassada e a isto se juntou aquilo que a lenda já consumara:
adultérios, conspirações e traições sendo que algumas
informações são historicamente comprovadas, outras não. Por se recusar a jurar
a constituição portuguesa escreveu uma carta a Dom João onde mostrava sua
teimosia e obstinação:
“Uma pessoa de bem não se retratava... Serei mais livre
em meu desterro do que vós em vosso palácio. Minha liberdade pelo menos me
acompanhará. Minha alma nunca se escravizou nem nunca se humilhou na presença
desses rebeldes vassalos, que ousaram impor-vos leis e esforçaram-se para compelir-me
a prestar um juramento que a minha consciência repelia”. (Gomes, Planeta, 2007,
pg 168)
Por isto foi exilada e perdeu o titulo
de rainha. Hoje pelas suas cartas vemos outra Carlota, seguidora de direitos
dinásticos de mando que, talvez, poderiamsermais bem aproveitados. Na partida
de Portugal ao Brasilum detalhe hoje conhecido, mostra bem sua preocupação pelo
poder. Enquanto Dona Maria I, já insana, dizia a todos para não correr, pois,
estavam todos como “... a fugir”, Carlota separava os filhos nos navios com a
idéia que se um naufragasse haveria quem herdasse a coroa. Independente da
licença poética, e é claro das adaptações, Carlota também mereceum filme
biográfico sem a preocupação de agradar e divertir, que nos apresente fatos
comprovados. O Filme Carlota Joaquina,
princesa do Brazil ai se encontra e merece ser visto pelo que desperta, porem
a pesquisa já da mostras de como podemos fazê-lo, a meu ver, muito mais
interessante.
Bibliografia
GOMES, Laurentino. 1808: como uma
rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram
a História de Portugal e do Brasil. São Paulo: Planeta, 2007.
Filme
CAMURATI, Carla. Carlota Joaquina:
princesa do Brasil. São Paulo: 1994.
1 FVD (100 min): son., color. Color Elenco: Marieta Severo, Marco
Nanini, Ludmila Dayer, Brent Hieatt, Maria Fernanda, Marcos Palmeira, Eliana
Fonseca, Aldo Leite, Bel Kutner, Vera Holtz, Thales Pan Chacon. Por.
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