6 de janeiro de 2013


Carlota Joaquina, Princesa do Brazil,
entre a ficção e a História
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Por Iomar Travaglin


“Fiz um filme pretendendo atingir todas as platéias, de todas as idades [...] O cinema, há dois anos, acabara no Brasil por má administração dos orçamentos e porque havia pessoas que só se propunham a filmarcom orçamentos milionários. Meu objetivo com Carlota Joaquina foi mostrar que dá para fazer cinema no Brasil. Que tem público, sim, e que os filmes se pagam, sim. Escolhi um tema histórico porque sempre fui apaixonada pela História. E o cinema é uma linguagem forte, que pode trazer, além de entretenimento, também conhecimento. Acredito que a História é a ficção do Homem. É o grande romance da humanidade. Ela nos diz que tudo está em movimento e que o que importa não é um homem, personalidade histórica, ou um grupo de pessoas. O que é importante é o Homem – isso a História nos diz e pode ensinar mais efetivamente por meio do cinema. Os homens morrem, o Homem não. Um povo só pode compreender o seu presente a partir do conhecimento do que foi o seu passado. Com essa idéia na cabeça é que realizei ‘Carlota Joaquina – Princesa do Brazil”
 Carla Camurati (Carla Camurati: 1996)

 Produzido em época conturbada da trajetória política brasileira, o filme da diretora e atriz Carla Camurati,permanece emblemático por representar uma história verídica, baseada na vinda família Real Portuguesa ao Brasil em 1808, e por ser, naquele momento a produção que mais trouxe publico ao cinema, retomando como mídia aos novos tempos da produção Nacional. Foi aclamado pela critica neste quesito, mas em nenhum momento se coloca como obra de valor aos historiadores que se posicionaram contra em muitos aspectos. Bem produzido e muito bem interpretado é verdade, mas a pergunta deve ser feita nos sentido de a autora se referir como estudiosa e pesquisadora em História. Sabendo disso apresentaremos as seguintes questões: quem foi Carlota Joaquina e o que seria verdade nesta produção que mostra de forma tão caricata a figura de conhecidos personagens históricos já que a diretora diz na entrevista acima que o cinema pode mostrar conhecimento?
O Estudo de gênero ainda é recente no Brasil e muito que se sabe de conhecidos e mais precisamente conhecidas personagens históricas de nossa Historia vieram de relatos biográficos nem sempre favoráveis as pessoas implicadas. Caso direto de Carlota Joaquina, mulher de temperamento forte e que impôs muitas das regras quando se viu com poder de rainha de Portugal e do Brasil. Carlota Joaquina de Bourbón era filha mais velha de Carlos IV e de Maria Luiza de Parma, reis espanhóis descendentes de Luis XIV de França pelo casamento deste com Maria Teresa de Áustria última herdeira do rei Áustria/Habsburgo/Lorena Felipe IV. A Espanha, ao tempo de Carlota, estava condicionada a França como cultura e sua corte era mais francesa do que propriamente espanhola, e,neste contexto é errado constatar que se dançava o flamenco como apresenta o filme. Uma corte alegre sim, mas com graves problemas políticos na autoridade exercida pela Rainha Maria Luiza que impunha ao seu fraco marido, Manoel Godoy seu amanteque como primeiro ministro levaria a Espanha a favor das conquistas de Napoleão Bonaparte. Infanta de Portugal pelo seu casamento com Dom João, segundo filho de Dona Maria I e posteriormente Rei e herdeiro pela morte do irmão e loucura da mãe, Carlota desde muito cedo impôs sua autoridade e inteligência; fatos comprovados historicamente pela grande quantidade de registros em cartas e documentos. O Filme foi baseado em um livro biográfico publicado em 1968 por João Felício dos Santos com o titulo de Carlota Joaquina, a rainha devassae,adaptado pela diretora, que, como dito, realizou “ampla” pesquisa para compô-lo. A narrativa mesmo literária foi contemplada com a inteligente narração de um Escocês para uma menina que no filme faz a rainha quando menina, e soa até como um conto de fadas. As referencias históricas prováveis foram concisas quanto ao caráter da rainha, aliás, única rainha Brasileira, as outras foram imperatrizes.O historiador Oliveira Lima historiador afirma no livro 1808 de Laurentino Gomes que D. João...

 “não tinha grande certeza da paternidade dos últimos filhos”E que Carlota Joaquina foi “... traidora como cônjuge, conspiradora como princesa, desleal sempre e sem interrupção”.  (Gomes, Planeta, 2007, pg 165)

Carlota conspirou politicamente contra o marido, é verdade, mas não teria razão ao fazê-lo? Historiadores acreditam que Dom João teria sido vitorioso numa disputa com Napoleão se permanecido em Portugal, já que, segundo se constata pelo próprio Napoleão em suas memórias, a Guerra Peninsular, invasão de Espanha e Portugal, foi fatal ao General francês, pois todos os seus problemas começaram ai. Um desses problemas foi a escolha do comandante da invasão Jean AndocheJunot. Ao adentrar em Lisboa o exército francês encontrava-se faminto e mal administrado por Junot, e este não contava com a resistência do povo lusitano e espanhol.Se não tivesse sido impedida por Dom João na reivindicação de sua herança espanhola no Prata, Carlota poderia ter  fortalecida a situação da Espanha e por tabela Portugal já que esta teria uma distante corte situada na América. O que pode ter acontecido é que João, no fundo, sabia que a esposa, inteligente e sagaz, poderia ludibriá-lo e, por habilidade, usurpar-lhe o poder. Também havia suspeita de sua infidelidade como esposa, o caso com Fernando Carneiro Leão que aparece no filme de forma caricata e ao som de Tico Tico no fubá de Zequinha de Abreu apresenta,no filme, que a Rainha tenha enfim aceitado a miscigenação, mas, na verdade registros históricos apresentam Fernando como branco, filho de Ana Francisca Rosa Maciel da Costa, Baronesa de Goytacases que anos mais tarde estaria envolvida na expulsão do teatro São Pedro de Domitila de Castro, amante oficial de Pedro I. A mulher de Fernando, Gertrudes, foi morta de forma misteriosa e o crime, nunca solucionado, atribuído a Carlota. Uma provável versão do fato é que Gertrudes teria dito em alto e bom som durante um encontro social o que pensava da rainha e isto selou seu destino encontrando pela frente pessoas que poderiam se beneficiar de favores reais, o que era comum à época. Uma fonte por muito tempo aceita sobre as condutas da rainha foi a do catalão e seu ex secretario real Jose Presas que a um só tempo teria sido secretário, homem de confiança e conspirador. Presas já havia sido julgado e culpado pela campanha de apoio ao partido inglês no Prata e fugido ao Rio de janeiro. Iria por indicação de Sidney Smith, trabalhar com Carlota. Já na Espanha quando do retorno da família Real teria conseguido um cargo publico, ainda por influencia da rainha de Portugal, caiu em desgraça por escrever panfletos contra a monarquia. Fugido novamente, e sem recursos, resolveu escrever um livro intituladoMemórias Secretas de Carlota Joaquinana qual haveria informações intimas, suspeitas e principalmente fofocas sobre a realeza. Em carta a soberana disse que o livro seria destinado a Dom João se esta não lhe pagasse...

“... uma pequena resposta, acompanhada de uma letra de cambio de modesta quantia, teria sido suficiente para que eu me calasse”. (Gomes, Planeta, 2007, pg 167)

Carlota, no entanto não chegou a ver o livro; morreu em 1830, quando este estava sendo impresso na França. Saído o livro Carlota teve sua vida devassada e a isto se juntou aquilo que a lenda já consumara: adultérios, conspirações e traições sendo que algumas informações são historicamente comprovadas, outras não. Por se recusar a jurar a constituição portuguesa escreveu uma carta a Dom João onde mostrava sua teimosia e obstinação:

“Uma pessoa de bem não se retratava... Serei mais livre em meu desterro do que vós em vosso palácio. Minha liberdade pelo menos me acompanhará. Minha alma nunca se escravizou nem nunca se humilhou na presença desses rebeldes vassalos, que ousaram impor-vos leis e esforçaram-se para compelir-me a prestar um juramento que a minha consciência repelia”. (Gomes, Planeta, 2007, pg 168)

Por isto foi exilada e perdeu o titulo de rainha. Hoje pelas suas cartas vemos outra Carlota, seguidora de direitos dinásticos de mando que, talvez, poderiamsermais bem aproveitados. Na partida de Portugal ao Brasilum detalhe hoje conhecido, mostra bem sua preocupação pelo poder. Enquanto Dona Maria I, já insana, dizia a todos para não correr, pois, estavam todos como “... a fugir”, Carlota separava os filhos nos navios com a idéia que se um naufragasse haveria quem herdasse a coroa. Independente da licença poética, e é claro das adaptações, Carlota também mereceum filme biográfico sem a preocupação de agradar e divertir, que nos apresente fatos comprovados. O Filme Carlota Joaquina, princesa do Brazil ai se encontra e merece ser visto pelo que desperta, porem a pesquisa já da mostras de como podemos fazê-lo, a meu ver, muito mais interessante.

Bibliografia
GOMES, Laurentino. 1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil. São Paulo: Planeta, 2007.

Filme
CAMURATI, Carla. Carlota Joaquina: princesa do Brasil. São Paulo: 1994. 1 FVD (100 min): son., color. Color Elenco: Marieta Severo, Marco Nanini, Ludmila Dayer, Brent Hieatt, Maria Fernanda, Marcos Palmeira, Eliana Fonseca, Aldo Leite, Bel Kutner, Vera Holtz, Thales Pan Chacon. Por.



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