15 de agosto de 2007

Who Watches the Watchmen?

 ou Quem Vigia os Vigilantes?
Por Ricardo Dias
 
Capa da edição americana em volume único

Com o anúncio da produção e do elenco do filme de “Watchmen”, é chegada a hora de muita gente mais jovem, e cinéfilos hollywoodianos de plantão, ingressar no mundo de Watchmen, história criada pelo escritor britânico Alan Moore – o barbudo de Northampton, que acabou de lançar a pornografia-arte, como ele gosta de dizer, Lost Girls (Meninas Crescidas, no Brasil). É bom não esquecer que a história foi primeira concebida em forma de quadrinhos, ou graphic novel para os mais puristas, e que provavelmente vai ter pouca, se alguma, relação com o filme.



Watchmen não é a primeira obra de Moore adaptada para o cinema, como bem sabe qualquer apreciador do gênero. A primeira foi Do Inferno, seguida de A Liga Extraordinária (péssimo filme, diga-se de passagem, embora os quadrinhos sejam fantásticos), Constantine e V de Vingança. Nenhum dos filmes chega sequer perto do que há nos quadrinhos e é sabido que Moore tem uma rixa eterna com os produtores de Hollywood acerca disto, brigando para que seu nome seja tirado dos filmes e recusando-se a assisti-los – e também não ganhando nenhum dinheiro. É de convir então que não se faça diferente com Watchmen. Mas falemos da graphic novel.


Foi escrita por Alan Moore, ilustrada por Dave Gibbons e publicada originalmente em forma de série com 12 volumes mensais pela editora norte-americana DC Comics entre 1986 e 1987. Mais tarde, foi republicada em volume único de formato graphic novel e pode ser encontrada neste formato até hoje, inclusive com uma edição brasileira atual em quatro volumes pela editora Via Lettera (caríssimos). Alan Moore faturou com a série diversos prêmios (Kirby, Eisner, Hugo, este último nunca tinha sido nem nunca mais foi dado a uma história em quadrinhos) e teve a história eleita pela revista Time como um dos 100 melhores romances desde 1923.


A premissa: Em uma Nova York de 1985, super-heróis realmente existem. Não do modo como Super Homem ou Homem-Aranha, que existem sendo o mais importante, e o mundo em que vivem é o elemento coadjuvante. Em Watchmen, o mundo é o mesmo em que vivemos; A Guerra Fria entre os Estados Unidos e a União Soviética está acontecendo e tudo está partindo para uma demonstração de poder desde um acidente nuclear ocorrido em 1959, que transformou Jon Osterman, na época um agente do governo americano, no poderoso Dr. Manhattan.


Dr. Manhattan, com seus poderes divinos, tornou-se a última arma americana, deixando os EUA com larga vantagem em relação à URSS e levando-os à vitória. É neste cenário que se incluem os chamados Watchmen: Um grupo de heróis que são possíveis de existir no mundo real. Nenhum deles tem de fato super-poderes – à exceção do Dr. Manhattan, mas que mesmo assim, tem uma explicação científico-plausível para tal. Os Watchmen são pessoas como qualquer pessoa poderia ser. Não saem voando, ou tem super força. Apenas se vestem com fantasias – muitas vezes carnavalescas – e vão defender as pessoas e os ideais que acreditam. Pessoas como nós.



The Watchmen

No entanto, na história, este tempo glorioso dos Watchmen já passou e eles todos se foram, morreram, se aposentaram ou mudaram de vida – Adrian Veidt, por exemplo, o ex-Watchmen Ozymandias, usou a fama como herói para se auto-promover como empresário. Apenas um Watchmen não deixou a máscara: Rorschach. E é com ele que a história caminha, quando o mesmo descobre que Edward Blake, o Comediante, foi assassinado, e passa a acreditar que há uma conspiração para tirar os heróis – mascarados, como ele costuma dizer – de circulação. Com isso em mente, Rorschach vai avisando todos os ex-Watchmen que pode e recrutando ajuda, mas todos recusam, ou por não acreditarem nele, ou por acharem que seus tempos já se foram. Os heróis, neste momento, são detestados pelo povo e ser um é uma prática ilegal.
Rorschach decide investigar sozinho com seus métodos nada, digamos, gentis, mas acaba sendo inutilizado. E é então que alguns Watchmen também decidem fazer alguma coisa, principalmente Dan Dreiberg, o Coruja, ex-parceiro de Rorschach.
Watchmen é escrita de uma forma que sempre apresenta ao leitor o ponto de vista nunca imparcial de algum personagem. Ao início, este ponto de vista é quase sempre do Rorschach, um herói de sobretudo pardo, chapéu Fedora, calças roxas de risca, sapatos e luvas. Sua marca registrada é uma máscara que tem em si os padrões de tinta do
Teste de Hermann Rorschach que é de onde ele também tirou o codinome. A máscara é mutável, ou seja, a tinta “dança” causando diferentes formas a cada quadro. No entanto, há algumas passagens em que a máscara apresenta um padrão quase idêntico – quando Roschach registra surpresa, por exemplo – além de se parecer com um ponto de interrogação quando ele faz uma pergunta em determinado momento da história, ou lembrar um palhaço rindo quando ele menciona uma piada. Rorschach considera a máscara como sendo sua real face e nunca a tira. Quando acaba fazendo-o, a “tinta” se torna um ponto irregular no centro.É um vigilante solitário e por muitas vezes usa a tortura para alcançar objetivos, embora não seja um vilão. Suas ações e seu diário denotam uma crença no absolutismo moral e no objetivismo, onde o bem e o mal são claramente definidos e o mal deve ser severamente punido. Negou sua humanidade e as convenções da sociedade para alcançar estes objetivos.

Rorschach observa

Ao início de Watchmen, somos apresentados à história com um trecho do diário que Rorschach mantém. Trechos do diário são também ocasionalmente apresentados ao longo da trama. Eis o texto do diário da primeira página:
“12 de outubro de 1985.Carcaça de um cão morto no beco hoje de manhã com marcas de pneu no ventre rasgado. A cidade tem medo de mim. Eu vi sua verdadeira face. As ruas são sarjetas dilatadas cheias de sangue e, quando os bueiros transbordarem, todos os vermes vão se afogar. A imundície de todo sexo e matanças vai espumar até a cintura e as putas e os políticos vão olhar para cima gritando ‘salve-nos’... e eu vou olhar para baixo e dizer ‘não’. Eles tiveram escolha, todos. Podiam ter seguido os passos de homens honrados como meu pai ou o presidente Truman. Homens decentes, que acreditavam no suor do trabalho honesto. Mas seguiram os excrementos de devassos e comunistas sem perceber que a trilha levava a um precipício até ser tarde demais. E não me digam que não tiveram escolha. Agora o mundo todo está na beira do abismo contemplando o inferno e os liberais, intelectuais e sedutores de fala macia... de repente não sabem mais o que dizer.”
Watchmen, como graphic novel, é uma obra muito inteligente e bem escrita, não só para fãs de linguagem de quadrinhos. No entanto, estes possuem algo a mais para se deleitar. O fato de que Moore apanhou um clichê da época – um grupo de super-heróis, como Liga da Justiça e X-Men – e o transformou em algo deveras original, um grupo de seres humanos reais que se apresentam como heróis em um mundo de intrigas e que não podem apelar para os super poderes, por não os terem, é muito gratificante. Além disso, todos os heróis foram baseados, de uma forma ou de outra, em super-heróis de outras paragens, muitos deles já obsoletos na época de Watchmen. Moore pegou vários heróis da Charlton Comics, editora que fora criada em 1946, e que foi adquirida tempos depois pela DC, e trouxe de volta elementos de lá. Por exemplo, Rorschach foi baseado no
Questão e no Mr. A, enquanto a Espectral, em Nightshade, Canário Negro e Phantom Lady.
Para pessoas não muito integradas no universo dos quadrinhos, resta apenas a escrita ácida de Moore, suas pesquisas categóricas, seu detalhismo, seu uso magistral de planos e cenas, a adição de matérias de jornais e revistas fictícias acerca da Nova York fictícia entre os capítulos, e o carisma de suas personagens. É praticamente impossível não se afeiçoar por Rorschach, embora ele seja frio, direto e pouco ortodoxo, além de não parecer se importar muito com higiene. A história delimita as linhas humanas e as tensões de personalidade, enquanto se lê a frase “Quem Vigia os Vigilantes?” pichada pelas paredes.
Na minha opinião, a segunda melhor obra de Moore (a primeira é Do Inferno) e um dos mais bem sucedidos quadrinhos de todos os tempos.
“Quem matou o Comediante?”, pergunta Rorschach, segurando o distintivo manchado de sangue do herói morto – um
bottom smiley – entre os dedos. É mais um trabalho para os Watchmen.

Cena Teste do trailer de 300 (os filmes têm o mesmo diretor)


 

Nenhum comentário: