21 de outubro de 2011

O som no cinema e a magia das produções musicais norte americanos do pós guerra


Por: Iomar Travaglin

As pesquisas quanto ao som caminharam com relativa calma devido à tecnologia incipiente, mas, tanto Pathé como Méliès, pioneiros da cinematografia, já sonhavam com o advento do cinema sonoro realizando tímidas experiências, uma delas era balbuciar palavras atrás da tela nas salas de exibição para se ter a ilusão da fala do personagem. As invenções do telefone e do telégrafo propiciaram diversas pesquisas na área até o advento do fonógrafo, a gravação elétrica através do microfone e de sua ampliação pelas válvulas, desenvolvidas por Lee De Forest ainda nos anos de 1910. À época, grandes companhias elétricas, como a norte-americana Electric-Western e a alemã A.E.G. Tobis-Klang-film, adquiriram direitos sobre patentes desses inventos e a primeira ofereceu a novidade a empresários ligados a um grande banco. Devido a lucrativa hegemonia do cinema mudo, já aceito pelo publico, nenhuma empresa acreditava na sonorização fazendo com que as experiências nesse sentido fossem abandonadas por volta de 1914. Eram comuns, por esta época, pequenas orquestras se apresentarem nas salas de exibição acompanhando com seus acordes as peripécias do enredo.

Por volta dos primeiros anos da década de 1920 os experimentos voltaram e mais uma vez não foram aceitos pela maioria. Os irmãos Warner apesar de estarem com dificuldades financeiras e à beira da falência foram simpáticos à proposta de novas investidas quanto ao som e, mesmo com problemas na produção, realizaram o filme Don Juan, com John Barrymore. O sucesso significativo proporcionou a Warner bancar a proposta do som direto em outro filme com um famoso ator do teatro Vaudeville, Al Jolson e direção de Alan Crosland.

A história de The jazz Singer (Cantor de jazz), de 1927, baseada na peça teatral de Samson Rafaelson, apresentava somente os números musicais sonoros e contava a historia de um pobre cantor alcançando a fama. Dois anos depois o primeiro filme inteiramente sonoro foi lançado: Lights of New York. Apesar do sucesso da novidade, ícones do cinema mudo como Chaplin, King Vidor, René Clair e Eisenstein manifestaram-se contra o cinema sonoro alegando, entre outras coisas, que o som colocava em risco a estética artística do cinema mudo. Eisenstein, inclusive, chegou a redigir um manifesto que se tornou famoso. Com o tempo, além dos problemas técnicos, outros problemas surgiram; somente os atores que possuíam talento vocal eram poupados do vexame da voz não condizer com o porte físico ou ainda por esta não ser agradável e ou audível. Mas a novidade persistiu e acabou sendo aceita com entusiasmo pelo público que voltou a lotar os cinemas.

Já na Europa, os filmes norte-americanos que se desenvolveram industrialmente encontraram um grande problema: o idioma. Nesses países as exigências eram quanto ao idioma ser local, acarretando o recurso da dublagem. Isto porem não impediu que o cinema norte-americano fosse durante os anos seguintes a maior produtora do gênero institucionalizando uma linguagem e uma produção impecável. O auge da produção ocorreu durante os anos 20 e meados dos anos 30 até que um novo evento fizesse com que o próprio sistema se reformulasse: a televisão.

A era dos musicais
Os musicais americanos, cujo auge foi no período pós-guerra, talvez tenha sido o filão encontrado, segundo estudiosos, para um lazer alienante como as novelas de TV atuais, apresentando um mundo cor-de-rosa e romântico contrário a dura realidade dos conflitos bélicos e suas conseqüências sociais. Porém, à medida que o tempo foi passando verificou-se que a idéia de se transportar para a tela números musicais era uma tentativa de levar ao cinema o que se passava no teatro com o chamado vaudeville ou comedia musical. Muitas peças realizadas na Broadway foram adaptadas para o cinema formando um fluxo de grandes cenógrafos e coreógrafos teatrais que estabilizaram o gênero.
Por volta de 1930, o coreógrafo Busby Berkeley foi um dos pioneiros que trouxeram para o cinema inovações técnicas que favoreceram os musicais. Antes dele as câmeras eram estáticas e os bailarinos passavam dançando em frente. Disponibilizando câmeras em vários pontos e incrementando o uso de cenários móveis com engenhosos e gigantescos mecanismos acabou revolucionando o gênero.  

Nessa época, brilham vários atores dançarinos como Fred Astaire, que com Ginger Rogers, formaria o mais famoso casal do cinema musicado. Para Astaire, no entanto, sua melhor partner era a exuberante Rita Hayworth, que mais tarde faria Gilda, de Charles Vidor. Como dançarino Astaire reinou absoluto até surgir Gene Kelly que, diferente do estilo "lord" do amigo, personificava um tipo mais atlético e popular. Nos anos 40 e 50 foram produzidas verdadeiras obras primas do gênero; como O pirata (1948), Um dia em Nova York (1949), A roda da fortuna (1953), e Gigi (1958).

Em Cantando na chuva (1952), dirigido por Gene Kelly e Stanley Donen, hoje um clássico, vemos a história do som e da adaptação dos atores ao cinema mudo com humor e memoráveis números de dança no que é considerado um dos melhores musicais de todos os tempos. No enredo um casal de atores do cinema mudo tenta se adaptar à novidade sonora, porem a voz estridente e desagradável da atriz sobressai gerando muitas confusões.




Gene Kelly em pôster promocional do filme “Cantando na Chuva”


Apesar do sucesso, no final dos anos cinqüenta o gênero musical parecia superado até que em 1961 o gênero seria reeditado com West Side Story (Amor sublime amor). Dirigido por Jerome Robbins e Robert Wise e agraciado com belíssima trilha sonora do maestro Leonard Bernstein (1918-1990), a ação se passa em uma parte pobre de Nova Iorque da década de 1950 tendo com analogia a famosa peça de Sheakespeare Romeu e Julieta. Tony, antigo líder da gangue de brancos anglo-saxônicos chamados de Jets, se apaixona por Maria, irmã do líder da gangue rival, os Sharks, formada por imigrantes porto-riquenhos.

A cena na qual os porto-riquenhos cantam o clássico América, o baile onde os personagens principais se conhecem e se apaixonam e na abertura, com uma panorâmica sobre a cidade de Nova Iorque são grandes momentos do filme. Curiosamente, os atores principais vividos por Natalie Wood e Richard Beymer são dublados por cantores profissionais, enquanto o restante do elenco utiliza suas próprias vozes.

Inovador em temos de coreografia o filme acabou ganhando vários prêmios e originou um novo modo de se fazer musicais. Posteriormente Bob Fosse, (1927-1987), lendário coreógrafo e também produtor, realizaria Sweety Charity (1969) baseado em Noites de Cabíria de Federico Fellini e o premiado Cabaré, de 1972, marcando definitivamente seu nome no cenário musical moderno norte americano. Hoje, a magia dos musicais ainda fascina e muitas produções significativas são produzidas, mas jamais se viu novamente um musical atual como aqueles produzidos por Gene Kelly ou Vincent Minelli. Em uma de suas últimas entrevistas, Gene Kelly diria que o cinema só viabilizou um musical como Cantando na chuva porque aquela era uma época de romantismo e elegância.

Gene Kelly
Eugene Curran Kelly nasceu em Pittsburgh em 1912 e participou de vários musicais antológicos destacando-se Sinfonia de Paris (1951) baseado em uma música de George Gershwin e que receberia oito Oscars. Em sua obra também é destaque sua colaboração em 1960 com o balé da Ópera de Paris em Pas de Deux e também, em 1969, com a versão cinematográfica do musical Hello Dolly, com Barbra Streisand e Louis Armstrong. Em That´s entertaiment! Documentário produzido em 1974, Gene Kelly apresenta e comenta os musicais da chamada época de ouro.

Bem humorado, ao ser inquirido sobre elegância e dança em relação a Fred Astaire, com bom humor respondeu: "Ele é um cavalheiro, eu, apenas o estivador que se tornou dançarino".

Os amantes de Verona
Não existem evidências concretas quanto a existência dos famosos amantes Romeu e Julieta retratados por Shakespeare. Sabe-se que Giralomo della Corte, um italiano contemporâneo do autor, indicou em suas pesquisas a trágica morte de um casal nestas condições em 1303. Porém, nem Shakespeare e seu editor confirmam a existência dessa pesquisa e quando escrita, em 1597, a história acompanhava o relato que seria "uma tragédia engenhosamente imaginada". Apesar da negativa, historiadores relatam que o dramaturgo inglês se baseou em Anthia e Abrocomas, um romance grego do século II, de Xenofonte Ephesio. No entanto, existem evidências de que as referências foram retiradas de fontes mais próximas de sua época, pois, em 1476 foi publicada a história de Romeo e Giulietta, de Massuccio Salernitano e narrada cinqüenta anos depois por Luigi da Porto contendo todos os elementos que hoje conhecemos.

Outro italiano, Matteo Bandello, adaptou livremente a história em 1554 aparecendo traduzido em francês nas Histoires Tragiques, de François de Belleforest, em 1559. Do francês, Arthur Brooke registrou o drama em versos para o inglês, com o título Romeus and Juliet em 1562 sendo posteriormente editado em prosa por William Painter com o título de The palace of pleasure.

Arthur Brooke relatou em suas memórias que "o mesmo argumento foi posteriormente levado a cena". Diante dessa informação é provável que possa ter havido um poema, hoje desaparecido, que foi adaptado por Shakespeare.

Os personagens, segundo estes estudos, são produtos de ficção, mas o cenário no qual se desenrola é tido como real, principalmente na questão da rivalidade das famílias, já que Os nomes Montecchio e Capuletto não foram inventados. Em 1320, Na Divina comédia, de Dante Alighieri, existem alusões às lutas internas na Itália onde vemos esses nomes. "Vinde ver os Montecchi e os Capelletti..." escreveu Dante no sexto canto da parte dedicada ao purgatório do seu poema épico. "Vede os curvados pela dor ou pelo medo, vinde, homem cruel, ver o domínio e a tirania dos vossos nobres, puni as suas maldades". Porém, o historiador americano Olin H. Moore supõe, em seus estudos, que as famílias seriam partidos políticos associados aos Guelfos e Gibelinos.


 Romeo and Juliet de Sir Frank Dicksee pintado em 1884


A primeira adaptação no cinema foi Romeo e Juliet (1916), com a famosa "Vamp" Theda Bara no papel principal. Outra produção, de 1936, dirigida por George Cukor, apresenta Leslie Howard e Norma Shearer no papel dos amantes e John Barrymore como Mercucio. Outras refilmagens: uma versão italiana de Renato Castellani (1954). com Laurence Harvey e Susan Shentall e um balé com Rudolf Nureyev e Margot Fonteyn, produzida em 1966. A versão mais conhecida, realizada por Franco Zeffirelli com Olívia Hussey e Leonard Whiting ganhou vários prêmios, por último, a leitura pop de Romeo+Juliet (1996), de Baz Luhmann, com Leonardo DiCaprio e Claire Danes, com visual extravagante e ritmo de vídeo clipe típicos do diretor de Molin Rouge.



Filmes, livros e site sobre o assunto:
- SADOUL, Georges. História do cinema mundial. Das origens aos nossos dias. Lisboa: Livros Horizonte, 1983. 

Filmografia de Gene Kelly
http://dvdsofaepipoca.blogspot.com/2011/06/filmografia-gene-kelly.html

Ficha Técnica:
Cantando na chuva
Título Original: Singin'in the Rain
País: EUA
Ano: 1951
Duração: 103 minutos
Direção: Gene Kelly e Stanley Donen
Elenco: Gene Kelly, Donald O’Connor, Debbie Reynolds, Jean Hagen, Millard Mitchell, Cyd Charisse, Douglas Fowley, Rita Moreno e Madge Blake

Amor sublime amor
Título Original: West Side Story
País: EUA
Ano: 1961
Duração: 155 minutos
Direção: Jerome Robbins e Robert Wise
Elenco: Natalie Wood, Richard Beymer, Russ Tamblyn, Rita Moreno, George Chakiris, Simon Oakland, Ned Glass, William Bramley, Tucker Smith, Tony Mordente, David Winters, Eliot Feld, Carole D’Andrea, Jay Norman, Tommy Abbott.

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