29 de junho de 2012

Naufrágio dos regimes totalitários





O fascínio do mar e o poder em tempos de guerra retratados
no cinema e na pintura.

Por: Iomar Travaglin


Poucas histórias fascinam o público como o do naufrágio do transatlântico Titanic. Ocorrido em 10 de maio de 1912, a tragédia gerou polêmica e no cinema muitas produções ligadas ao assunto foram e ainda hoje são produzidas. Uma delas foi utilizada em plena Segunda Guerra para atacar a Inglaterra.

O épico alemão Titanic, de 1943, possui seu enredo adaptado a mando do chefe da propaganda nazista Joseph Goebbels (1897-1945). O filme mostra um ambicioso empresário que obriga comandantes e oficiais a navegar com o navio em velocidade máxima, no intuito de bater um recorde de viagem, para com isto ganhar credibilidade e vender ações da falida empresa que financiou o luxuoso transatlântico. Todos os personagens são fictícios, mas estão associados à ambição de empresários e lordes ingleses. Segundo a resenha do filme, presente nos extras do DVD, existe uma associação do personagem do empresário com o arquétipo do judeu típico e com a arrogância inglesa na figura dos lordes, temas que a Gestapo gostaria de legitimar através de entretenimento.
Essas associações estão presentes, por exemplo, na cena em que alguns empresários tentam comprar vagas nos botes salva-vidas perante o alemão incorruptível, e quando a dançarina lasciva, também com traços judaicos, beija dois homens que a cortejam.
O iceberg é apenas um suporte na condução da historia que pretendia, utilizando uma situação política, atacar a Inglaterra, principalmente no final inesperado, no qual o empresário é caracterizado como judeu e julgado pela morte de 1.500 pessoas no naufrágio. O filme foi banido pela própria Gestapo quando um cinema onde era exibido foi bombardeado, possivelmente pelos ingleses. Segundo pesquisas históricas, o próprio diretor foi assassinado, por não concordar com algumas exigências da produção, fato encoberto e transformado em um suicídio. Como curiosidade: preste atenção no resgate do homem acusado de roubo e no diamante azul, fatos que James Cameron utilizaria à exaustão no seu Titanic de 1997. Nos extras um raro documentário sobre o transatlântico na época de sua viagem inaugural.
Pouco tempo depois da tragédia, houve nos Estados Unidos da América uma versão muda do naufrágio (1913), e em 1953 foi realizada a superprodução Titanic. Na Inglaterra, A night to remember (1958) é baseado em relatos de sobreviventes e por isso se aproxima do que realmente teria acontecido naquela fatídica meia-noite, quando um iceberg pôs fim à viagem inaugural do navio, causando o desaparecimento de aproximadamente 1.500 pessoas.

Filme nazista no Brasil
Em 1938, um filme germânico com atores brasileiros e alemães, tendo a exploração da borracha e o capitalismo expansionista como tema principal, foi financiado pelo Partido Nacional Socialista. À época, o ministro da propaganda Joseph Goebbels declarou que o filme era "muito valoroso, tanto política quanto artisticamente, numa brilhante realização". O filme chamava-se O inferno verde (Kautschuk, 1938), e teve gravações na Amazônia e nos estúdios Travemünde, em Schleswig-Holstein e Babelsberg, em Berlin. Dirigido por Eduard Von Bosordy, contava com astros de primeira grandeza do cinema alemão, como René Deltgen, Gustav Diessl e o brasileiro José Alcântara. Rodado com imagens documentais, tornou-se um bem-sucedido lançamento em 1938.

O Partido Nacional Socialista, dirigido pelo Terceiro Reich, possuía relações contraditórias com a cultura e entretenimento. Quanto ao Brasil, segundo estudos e descobertas recentes, havia o projeto do nazismo para dominar a América Latina, conservando apenas Argentina, Bolívia e Brasil. Usando nosso país com celeiro do mundo, a força militar nazista contava com o apoio da Argentina, cujo presidente à época, Juan Domingos Perón, se posicionou favorável a Alemanha e ao Füher.

O mar regido por Netuno
Desde o início da civilização, o mar inspirou respeito e medo em quem ousava desafiá-lo. E em várias culturas, deuses surgiram para representar seu poder. Na mitologia grega, o mar é regido por Netuno, principal divindade das águas. Seu símbolo de poder é o tridente, ou lança de três pontas que usava para abalar os rochedos, desencadear ou amainar tempestades. Segundo a tradição, teria criado o cavalo das espumas do mar e era considerado padroeiro das corridas eqüestres.
Acreditava-se na Idade Média que a terra era o centro do universo e os navios que partiam para o mar iriam encontrar grandes cachoeiras que despencariam no infinito. No século XV começaram as grandes navegações, e os habitantes da Península Ibérica foram os que primeiro venceram os medos e partiram às conquistas. Embora haja relatos de exímios navegadores entre povos antigos, como vikings e chineses, os portugueses e espanhóis formalizaram caminhos e acessos a novas culturas.
No inicio daquele século, pequenas embarcações com poucos tripulantes eram denominados baixéis, barcas ou "barchas", batéis, bergantins, caravelas ou pinaças. Em menos de cem anos surgia "a nova caravela", de casco longo, possuindo dois ou três mastros com velas triangulares ou "latinas" que permitiriam manobras ágeis, substituindo as velas quadrangulares ou redondas. A partir do século XVI, os barcos que faziam o roteiro de rotas para as Índias seriam designados naus, nome adotado para grandes navios. Esses grandes navios seriam as carraças dos séculos XVI e XVII e as fragatas do século XVIII. Entre uma carraça (nau) e o galeão, as diferenças mais gritantes estavam na utilização: a primeira, comercial, era mais larga, alta, pesada e pouco armada, enquanto o galeão, mais comprido, era guarnecido com canhões. Os navios usados na navegação eram, no século XVI, caravelas e outras embarcações com capacidade entre 100 e 150 toneladas de carga. Contudo, por ser pouco armadas, tornaram-se presa fácil de piratas e ladrões, obrigando os portugueses a adotarem sistemas de frotas e iniciarem a construção de navios maiores e melhores.
As viagens feitas com navio à vela cruzando oceanos eram consideradas as mais árduas. Viagens a caminho das Índias demoravam em média de seis a oito meses. As viagens ao Brasil, no entanto, eram bem mais curtas. De Lisboa à Bahia, o tempo estimado da viagem era de dois a três meses, para Recife ou Rio de Janeiro poderia representar alguns dias a mais. O fator tempo era importantíssimo; partindo nas épocas certas, quase sempre se evitavam tempestades.
A trilha das Índias, ao contrário, tem um longa história de naufrágios. Em uma obra chamada História trágico-marítima, compilada por Bernardo Gomes de Brito no século XVIII, há relatos dramáticos, que vão desde superlotações, desespero, e afundamentos onde a escolha de botes priorizava os aristocratas e clérigos, deixando, segundo o autor, as "pessoas menos gradas (graduadas)" para os tubarões.

A Barca da Medusa
O quadro a Barca da Medusa representa a tragédia real do navio Medusa, que naufragou perto do litoral do Marrocos. Em 1816 uma fragata francesa comandada por um incompetente capitão, afundou. Este entrou num dos poucos botes salva-vidas, deixando os passageiros, que considerava seus inferiores, abandonados à própria sorte. Segundo historiadores e sobreviventes, houve casos de canibalismo e loucura devido à fome e a longa permanência no mar.
Théodore Géricault (1791-1824), pintor engajado, retratou a tragédia no momento em que os sobreviventes avistam um navio que poderia resgatá-los (Fig.1). Apesar de pouca produção pictórica o pintor influenciou em muito a pintura Romântica do período, e até hoje é referência do movimento. O fotografo Joel Peter Witkin realizou, dentro do seu estilo, o que poderia ser o naufrágio da política norte-americana. Baseado na celebrada obra de Gericault, Witkin criou a sua versão de uma tragédia: a intervenção americana na guerra do Irã (Fig.2). Nela, vemos Bush filho sentado com todos seus dirigentes em um barco semidestruído. Note as lâmpadas na cabeça de Bush, em a alusão de suas "grandes idéias" e sua mão "pousada" sobre Condolezza Rice. Nesta obra, com humor e irreverência, o fotógrafo mostra a influência norte-americana e os erros que uma política autoritária pode cometer.

Saiba mais sobre o filme O Inferno verde
Veja texto completo sobre a foto de Witkin


Cartaz do filme Titanic
Théodore Géricault - A jangada da Medusa, de 1819 (fig.1)

Joel Peter Witkin - Raft of George W. Bush (fig. 2) 

Filmes e Livros sobre o assunto:
Dicionário Oxford de Arte. São Paulo: M. Fontes, 1996. 584 p. Por.
Paradis perdus l'europe symboliste. Montreal: Flammarion, 1995. 552 p. Fotos. Fra.
Direção Ridley Scott. 1492: a conquista do paraíso. São Paulo: Vídeo Arte do Brasil, 1992. Fita de vídeo/DVD, 150 min., Color. Por, Ing.

Titanic País de origem: Alemanha 
Ano: 1943 
Duração: 85 min
Direção: Herbert Selpin e Werner Klinger


O inferno verde
Título original:Kautschuk
País de origem: Alemanha 
Ano: 1938 
Duração: 104 min
Direção: Eduard von Bosordy

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